Deus quer.
O homem sonha. A obra nasce. Início dos anos 1980. Hospital de Base de
Brasília. Mães do Distrito Federal, do Entorno e de outros estados acompanham o
tratamento de leucemia dos filhos. A dor é coletiva. A esperança também. Uma
das mães — Maria Angela Marini — sai da própria dor e propõe o abraço na dor
coletiva. Solidários na dor. Subsidiários na ajuda. Assim, em 1º de maio de 1986
nasce a Abrace — Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças
Portadoras de Câncer e Hemopatias. A data, simbólica, homenageia os
trabalhadores do HBB e da saúde em geral, sempre abnegados, quase sempre mal
remunerados.
Deus quis e
JK foi além do sonho. Que o Centro-Oeste unisse, já não separasse. E a Brasília
de seus sonhos, moderna, acolhedora, abraça irmãos de todos os quadrantes do
Brasil continental. A Brasília de JK acolheu a Abrace e lhe ofereceu colo. O
Correio Braziliense, patrimônio da Brasília de JK, é um dos agentes dessa
união.
Em 1º de
maio de 1986, os sonhadores da Abrace definiram 10 diretrizes fundamentais para
assentar as bases do sonho coletivo. Destacarei apenas uma: "Busca da
melhoria das condições hospitalares, locais de tratamento e internação,
medicamentos e equipamentos".
A Abrace
custeou, em vários momentos, a recuperação das instalações do 7º andar do
Hospital de Base de Brasília, espaço de internação das crianças em tratamento
de câncer antes do HCB.
Em 1992, a
Abrace reivindicou ao governador do DF a continuidade de obras há anos
paralisadas, resultando no Hospital de Apoio de Brasília, com área específica
para atendimento ambulatorial das crianças em tratamento de câncer.
Em 1994, o
governador do DF cedeu à Abrace o uso da então residência oficial do
administrador do Guará. Lá está a Casa de Apoio e o Núcleo de Assistência,
acolhendo e abraçando as famílias que residem em Brasília e em seu entorno,
além de hospedar e manter mães e crianças de outros estados e até de outros
países, com alimentação, transporte ao hospital, atendimento psicológico,
atividades recreativas e educacionais, tratamento odontológico e outros.
Modernas instalações acolhem pacientes transplantados. Espaços de lazer,
cultura e educação dignificam o espaço, concedem-lhe nobreza de uso com o
indispensável apoio de voluntários e colaboradores.
Em 2004, o
governo do GDF cedeu o terreno onde a Abrace, com apoio da sociedade civil por
meio de doações, construiu o moderníssimo Hospital da Criança de Brasília José
Alencar. O HCB, com seus equipamentos e mobiliários, foi doado pela Abrace ao
GDF, conforme estabelecia o contrato de cessão de uso, e integra a rede pública
de saúde do DF para atendimento da população por meio do SUS (Sistema Único de
Saúde). O contrato previa que a gestão administrativa ficaria a cargo da
Abrace. Mas a Abrace não nasceu para administrar bens públicos. Para esse fim,
a Abrace fundou o Icipe — Instituto do Câncer Infantil e Pediatria
Especializada, associação sem fins econômicos. O Icipe é outro filho da Abrace.
Em 2023, o HCB, sonho de 1986, é referência nacional.
A Abrace sempre
será grata à comunidade brasiliense pelo apoio e doações desinteressadas, sem
contrapartidas políticas e midiáticas — no espírito da solidariedade que sai do
coração e a ele retorna, essência da solidariedade — sem narcisismos sociais,
pois voluntariar em assistência ao câncer é doar-se em amor e recebê-lo em
troca.
Foi dentro
desse contexto iluminado que, no último dia 11 de abril, a Abrace deu mais um
passo histórico na busca de melhores condições de tratamento do câncer infantil
no DF. Ao custo de R$ 9,1 milhões adquiriu, doou e instalou no Hospital da
Criança de Brasília José Alencar, um moderno aparelho de ressonância magnética.
Não poderia
encerrar sem dizer que a mãe que em 1º de maio de 1986 saiu de sua dor e propôs
o abraço à dor coletiva é a mesma que, em 1º de maio de 2023, preside a Abrace
na esteira do que sonhou há 37 anos: Assistência como missão. Transparência
como princípio. Cura como objetivo.
A Brasília dos sonhos de JK também nos remete a solidariedade, humanidade e valorização da vida. Iniciei com versos de Fernando Pessoa. Encerro inspirado em Cora Coralina, a diva da literatura goiana: "Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós. Mas sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas. É o que dá sentido à vida".