Carta para um leitor especial – (As mulheres, maioria da população, são minorias nos espaços de poder do Legislativo. E homem não legisla em prol das mulheres)
Seu
João escreveu para o jornal reclamando sobre a insistência de um tema. Não
aguenta mais ler sobre questões relativas à igualdade de gênero. Ele tem razão.
Tornou-se recorrente nas nossas páginas e sou capaz de entender o quão
enfadonho pode ser um assunto que teima. A despeito da chatice, própria de toda
recorrência, meu argumento para Seu João se ampara na necessidade. Chato, sim,
muitas vezes. Porém, necessário.
Necessário
porque as mulheres, maioria da população, são minorias nos espaços de poder do
Legislativo. E homem não legisla em prol das mulheres. Necessário porque a
palavra da mulher é posta em constante dúvida, inclusive pela Justiça, e elas
são minoria no Judiciário. Necessário porque todo dia tem feminicídio; todo
minuto tem violência contra os corpos femininos. Necessário porque elas
continuam ganhando menos e apanhando mais. E, ainda assim, continuam cuidando
da casa, dos filhos, dos pais, dos maridos e mesmo dos ex-maridos.
Seu
João ficou menos bravo com o jornal, mas não totalmente convencido da
necessidade de falar sobre igualdade de gênero. Talvez nunca se convença. Há um
mundo inteiro que não se convence, nem tolera o discurso. Por sorte, há outro
mundo que coexiste e se expande cada vez mais: coletivos e projetos que lutam
para reduzir diferenças, como o Quero Você Eleita e o Elas Pedem Vista, que
promoveram encontros importantes na semana que passou.
Creio
que o sonho de todas nós, mulheres, é não precisar falar mais, lutar mais,
gritar mais. Em 1980, aos 17 anos, fiz vestibular e o tema da redação
questionava: Homens e mulheres. Direitos iguais? A interrogação continua
fazendo sentido, embora alguns tenham suprimido, acreditando que "direitos
iguais" seja um fato consumado. Está longe de ser. E é por isso, Seu João,
que ainda precisamos jogar luz sobre esse tema.
Desejava
não mais aborrecê-lo, eu juro. Desejava falar de coisas leves e divertidas.
Desejava que a desigualdade fosse só enredo antigo, e não tema que mereça tela
cheia, pedindo nossa total atenção.
Enquanto
existir e penalizar apenas mulheres, a desigualdade exigirá retaliação à
altura. Com palavras e discursos. Com conscientização e voto. Com luta e negociação
nos espaços de poder. Espero que eu e os leitores do jornal possamos conversar
sobre futebol qualquer dia. No dia em que mulheres deixarem de morrer apenas
por serem mulheres. No dia em que o machismo estrutural deixar de ser uma
questão. É por sobrevivência, Seu João.