“Para o cemitério, só vou se for
levado – e na horizontal”, me diz um amigo, pragmático, depois de ter sido
constrangido por outro camarada com o pior tipo de pergunta que se pode fazer,
aquela que traz, antes da interrogação, uma afirmação. É de perder o rebolado.
“Não te vi no cemitério, a que horas você esteve lá?”.
Ele não se deu o trabalho de
usar a frase anterior porque sentiu que seria pior, teria que se estender.
Teria que dizer que não é superstição, mas porque não vê sentido nessas
cerimônias de despedida; mas era muita explicação, exigiria alguma filosofia e
muita paciência e ele preferiu se escorar em mim para mudar o rumo da prosa.
Falamos de futebol.
A tradição manda que a gente vá
dar uma conferida final naquele parente, amigo ou camarada que se foi, mas eu
também evito. Gosto de lembrar das pessoas vivas e não me sinto à vontade
naquele quase convescote em que as pessoas falam de amenidades em torno de um
corpo inerte, cercado por flores a espera de ser carregado para a cova.
Lembro sempre a história de
Ulysses Guimarães, o Senhor Diretas, que nunca ia a enterros e acabou não indo
nem ao próprio, já que o corpo dele nunca foi encontrado e, há 30 anos,
continua mergulhado no Oceano Atlântico.
Um outro amigo é tão
supersticioso que sequer fala a palavra cemitério. Como se fosse adiantar
alguma coisa, prefere usar campo santo, necrópole ou, mais frequentemente, até
porque é descendente de libaneses, almocábar, que obviamente é uma palavra de
origem árabe. Não sei se a semântica resolve alguma coisa, mas para ele
ameniza. E ficamos assim.
Saber que não se vai mais
encontrar um amigo ou mesmo um conhecido já é dor suficiente. Não é preciso
dividi-la com parentes e outros presentes. Há quem alegue que só uma cerimônia
fúnebre é capaz de encerrar uma história de convivência e que seria a última
oportunidade de dar um adeus a um querido. Só que o querido não está mais ali,
só há um corpo.
O homem enterra seus semelhantes
desde 60 mil anos antes de Cristo, pelo menos. Inicialmente era um modo de
esconder os corpos de animais predadores. Mais tarde, egípcios mantinham conservados
os corpos da gente importante e os romanos começaram a cremar, mas só gente
bem; os bandidos eram enterrados mesmo.
Até recentemente – 1964 – a
Igreja Católica proibia a cremação de fiéis, mas os vikings faziam cerimônias
em que misturavam fogo e água para carbonizar guerreiros e nobres num barco, a
caminho de Valhala.
Os velórios só foram instituídos
na idade média para resolver o problema de enterrar gente viva – como as
pessoas bebiam vinho e outros espíritos em taças de estanho, muitas vezes
chegavam a um estado de narcolepsia que era confundido com morte. E decidiu-se
esperar um pouco mais antes de botar terra em cima.
Hoje, os velórios são
solenidades para os vivos; um outro amigo, mais vivido, tem uma explicação mais
direta sobre o fato de evitar cemitérios: “Quem não é visto não é lembrado”.