Quando
conheceu a igrejinha de São Francisco de Assis, na Pampulha, criada por Oscar
Niemeyer, em Belo Horizonte, marco da arquitetura modernista, o agnóstico
Oswald de Andrade afirmou: “É a única igreja que converte”. Pampulha funcionou
como ensaio para Brasília.
Por aqui, Niemeyer espalhou cinco templos, alguns deles são joias da arquitetura: a Catedral Metropolitana de Brasília, a Igrejinha da 307/308 Sul, a Capela do Palácio da Alvorada, a Catedral Militar Rainha da Paz e a Igreja Ortodoxa de Brasília.
Ao
todo, Niemeyer riscou 16 edificações religiosas pelo Brasil e pelo mundo. Quem
visita as catedrais, igrejas e capelas que ele inventou costuma sentir duplo
espanto: com o êxtase estético e com a informação inquietante de que o autor
daquelas obras era um ateu de carteirinha. Como explicar tal contradição?
Em
um precioso texto para o livro As igrejas, Niemeyer toca na questão. Lembra que
nasceu e morou, durante toda a juventude, em Laranjeiras, na casa dos avós
Ribeiro de Almeida. Era uma família profundamente católica: “A sala de visitas
tinha cinco janelas – três delas dando para os lados”, evoca Niemeyer. “Numa
destas, minha avó embutiu um oratório, que, aos domingos, abrindo para a sala,
permitia que a missa fosse rezada em casa, tão religiosa era a nossa família”.
Mas,
apesar disso, ele não alimentou nenhum sentimento religioso. Com pouco mais de
20 anos, participava de campanhas para arrecadar donativos a serem distribuídos
aos pobres. A ideia de um Deus todo poderoso, criador de todas as coisas,
desapareceu do seu pensamento.
No
entanto, ficou impressa na memória afetiva a lembrança de que aquelas pessoas
eram gente boa e bem-intencionada, que manifestava uma atitude generosa e
solidária diante da pobreza: “Tudo isso explica a minha postura compreensiva e
quase indulgente em relação aos que creem num Deus invisível e onipotente,
aceitando, conforme tem acontecido, projetar uma igreja, uma catedral ou uma
simples capela como a que acabo de desenhar, a pedido do meu amigo Irineu
Marinho”, escreve Niemeyer.
Além
disso, há um aspecto essencial a ser considerado: a edificação de um templo é
um tema muito rico para um arquiteto: “Com que prazer desenhei as colunas da
Catedral de Brasília, a subirem em círculo, criando a forma desejada! E lembro
os contrastes de luz que adotei, tão importantes no interior de uma catedral”.
Niemeyer
reconhece que, quando projetava uma catedral, o prazer que sentia em ver a obra
bem realizada era muito menor do que a importância que lhes dão aqueles que vão
frequentá-la, pois é ali que acreditam estarem perto de Deus.
Mas,
embora não acreditasse em um ser supremo que tudo criou e tudo rege, ao erguer
templos, Niemeyer toca no sublime, que é uma dimensão do sagrado. Esse é um
pequeno milagre da arte. Niemeyer não acredita em Deus; e eu não acredito em Niemeyer.
Para
imaginar as obras que criou é preciso ter altas conexões espirituais. E, neste
sentido, talvez ele pudesse afirmar: ateu, graças a Deus ou graça aos deuses.