A pia batismal pode definir um
futuro. Aconteceu em Mimoso do Sul, Espírito Santo, quando um servidor público
entrou na igreja decidido a batizar o filho como Victor Hugo, homenagem ao
escritor, dramaturgo e ativista francês. Foi impedido pelo padre que, mesmo passados
cem anos, não havia perdoado as críticas que Hugo fez à Igreja Católica.
O homem não se deixou abater e
sacou do colete outro nome: Alexandre Dumas, autor de Os Três
Mosqueteiros e dramaturgo. Batizado, o bebê cresceu, veio para
Brasília e também virou dramaturgo. Não tinha mesmo cara de Victor; ficou
conhecido como Alexandre (Dumas) Ribondi, ajudando a criar um sotaque único
para o teatro brasiliense.
Essa é só uma das histórias de
família que Alexandre adorava contar, embora sua personagem principal fosse a
mãe. Os amigos riam dos exageros, ressaltados pelos trejeitos e pela
interpretação dramática que ele impunha a tudo que o cercava. Era uma usina de
criação.
Alexandre morreu mês passado
ainda em plena atividade, depois de quase 40 anos dedicados ao palco e,
principalmente, aos desafios. Repórter cultural, certo dia entrou na sala que
eu ocupava no Correio Braziliense dizendo que estava indo
embora para Portugal. “Estou apaixonado”, me disse.
Ninguém segura um amor e fiz uma
contraproposta; os leitores não podiam perder o charme e principalmente o
veneno de seus textos. Ele levaria parte do salário e escreveria uma crônica
semanal sobre a vida dos brasileiros na santa terrinha. Nasceu aí um personagem
que chamamos de “bobo da corte”, porque como nos antigos paços, teria licença
para falar mal até do rei.
Anos depois, em outro jornal,
fiz nova proposta a ele: escrever o folhetim de Brasília. A série foi publicada
por três meses diariamente, misturando a realidade das páginas jornalísticas
com a ficção – cada “capítulo” tinha 40 linhas –, mas o projeto definhou e
morreu. A imaginação era borbulhante, quando não delirante, mas ele sempre
precisou mais do teatro para levantar sua voz.
Quando alguém se debruçar sobre
as peculiaridades e particularidades do teatro criado em Brasília – bem
diferente da produção nacional – vai encontrar nomes como Hugo Rodas, Cristina
Borracha, os irmãos Guimarães e outros, mas estará fazendo a biografia de
Ribondi que, antes de tudo, muito mais que um ativista, era um provocador.
Mas o melhor de Ribondi se foi
com ele. Nem seus melhores dramas – como Abigail é Mais Velha que
Procópio ou O Beijo de Grapette – se comparam com as
tiradas de improviso, sempre recheadas de pequenas (ou enormes) safadezas e
muito sexo. “Vida é prazer”, dizia ele, hedonista em tempo integral.
Era do tipo que não perdia a
piada – e nem o amigo. Um dia chegou à redação, com um lenço amarrado no
pescoço, trazendo novidade que, como sempre, era alardeada: “Gente, descobri
que tem uma pomada chamada Nebacetim. Por mim, posso dizer que não chego perto,
ainda mais se trocar as vogais”. E caia na gargalhada por causa de um infame
trocadilho que sequer havia completado.
A única certeza é que a cidade
fica mais burra.