No caminho
da roça
Balão não pode mais e isso a gente compreende, até
porque nessa época de seca, basta triscar duas bolas de gude que o mato pega
fogo. Mas bandeirinha de papel de seda colorido não pode faltar em festa
junina, uma tradição milenar apropriada pela igreja Católica de culturas pagãs
que saudavam a chegada do verão do hemisfério norte.
No
mais, tudo anda muito diferente. Tem festa junina por toda a cidade, mas
algumas só merecem esse nome porque acontecem em junho. A maioria delas aboliu
até a fogueira, que sempre foi a marca principal dos arraiais, e essenciais no
friozinho das noites brasilienses.
Também
não pode mais soltar fogos. Tem uma lei que proíbe rojão e foguete com barulho
para não afetar os sensíveis ouvidos dos cachorros, deixando espaço só para
aquela profusão de cores no céu. Compreendo a agonia canina, mas que é uma
coisa muito da sem-graça é. É a sensação de ver cinema mudo hoje. Sem Chaplin e
Keaton.
Traque
ainda é permitido, mas buscapé nem sei se fabrica mais porque se algum deles
encontrar a canela de um incauto vai ter processo na Justiça e chororô. E
cabeça-de-negro deve ter sido cancelada, senão pela periculosidade, pelo nome
que hoje pode ser considerado politicamente incorreto, embora não se saiba que
raça não explode.
Quadrilha
ainda tem, mas mudou também. Ao invés dos anarriês, alavantús e nepadequás, dos
gritos de ‘olha a cobra’ e ‘olha a chuva’, o negócio virou um balé. Os grupos
são ensaiados à exaustão, com piruetas e coreografias sofisticadas, bem
distantes daquela desajeitada bagunça das velhas quadrilhas, onde entrava quem
queria, bastando uma camisa quadriculada, uns remendos na calça e um bigode
pintado com rolha queimada. E um chapéu de palha desfiado.
Tudo
tem que mudar. Mesmo tradições que atravessam séculos são adaptadas, como
aconteceu nas comidinhas juninas. O primeiro estranho nesse ninho foi o
cachorro quente, invenção de um alemão imigrado para os Estados Unidos que
ainda trouxe o ketchup junto e virou até marchinha de carnaval (“Vai toda gente
ao quarteirão/ Pois há linguiça em profusão/ Pra comer com pão”, Lamartine Babo
e Ary Barroso, 1928). Agora tem de tudo: de churrasquinho a pinhão assado, de
empadinha a pepino azedo.
A
música é outra. Os arrasta-pé, vanerões e xotes deram lugar à mixórdia
sertaneja e a indigência do funk; a sanfona foi substituída pelo teclado
eletrônico, zabumba pelo contrabaixo elétrico e o triângulo, coitado, foi
tristemente abandonado. O andamento acelerado transforma tudo numa massa que
apressa o passo do balancê – ouça Sebastiana, com Luan
Estilizado, para entender; ou, pior, Mete um Block Nele, de João
Gomes.
Pescaria
na barraquinha ainda tem, mas pau de sebo ficou no passado, junto com a corrida
de saco, cabra cega e carreira de ovo na colher. Tudo isso pode ser saudosismo,
até porque as pessoas parecem se divertir tanto quanto antes. Mas que ninguém
duvide: receber uma mensagem pelo zap não chega perto da emoção de ser
destinatário de um correio elegante pelo alto falante.
Paulo Pestana – Correio Braziliense