Mesmo quando dão errado, as coisas
podem acabar bem. É o caso do conhaque, hoje um grande companheiro para noites
mais frias e solitárias, que nasceu da produção de um vinho que não deu certo,
muito ácido e de baixíssimo teor alcoólico, mas que ganhou nobreza a partir de
uma segunda fermentação.
Processo semelhante ocorreu na
descoberta do champanhe, quando notou-se que o vinho, já dentro da garrafa,
sofria uma nova fermentação que, por sua vez, produzia certa efervescência; por
isso, o gargalo tinha que ser vedado com cera de abelha até se chegar à
conclusão de que era melhor amarrar uma rolha com arame para segurar a pressão.
Ninguém pensou também em colocar
sorvete na ponta de um palito até que, numa noite muito fria, um garoto
norte-americano deixou um copo de suco na varanda de casa. Quando amanheceu, o
suco estava congelado, e um palito usado para mexer, serviu de base para a
revelação do picolé.
O forno de micro-ondas nasceu
numa empresa de radares, quando um atento cientista notou que a barra de
chocolate que levava no bolso derreteu.
A penicilina também é fruto do
acaso; ou melhor, do desleixo de Alexander Fleming, que largou placas onde
cultivava micro-organismos pelas mesas de seu laboratório e saiu de férias. Na
volta, reparou que as bactérias foram eliminadas pelo mofo e nasceu daí o
medicamento que salvou milhões de vidas – todas agradecidas à ausência de uma
faxineira.
O nome disso é serendipidade,
descobertas fortuitas que acontecem quando a gente acha o que não está
procurando. O termo foi criado pelo escritor Horace Walpole, que recontou,
em Os Príncipes de Serendip, a história de três nobres do
Ceilão (hoje Sri Lanka) que viviam fazendo descobertas inesperadas. Ou quase.
Jung ampliou o conceito da
coincidência na psicanálise, buscando significados nas ações causais e batizou
de sincronicidade. E tudo, reza a lenda, por causa de um besouro dourado que
bateu na janela de seu consultório e que havia sido personagem do sonho do
paciente que estava no divã naquele momento. A partir de então,
sincronicidade passou a ser algo que a ciência não podia explicar.
Os primeiros livros de História
contavam que o Brasil foi descoberto por acaso, depois que a esquadra de Pedro
Álvares Cabral enfrentou uma longa calmaria, que a afastou da costa africana. A
transformação da colônia em sede da corte também teria sido fruto do acaso,
assim como a independência que manteve a família real portuguesa no poder. E os
dilemas da nação foram sendo resolvidos sem grandes rupturas, ao léu, meio sem
querer, empurrados com a barriga, misturando serendipidade e sincronicidade.
E de acaso em acaso – ou não –
chegamos aos atribulados dias de hoje, quando ninguém assume responsabilidade
por nada e os brasileiros continuam desperdiçando chances de criar um País
melhor. A serendipidade depende do acaso, mas depende ainda mais de perceber a
transformação oferecida pelo acontecimento fortuito. Pasteur disse que o acaso
só favorece a mente preparada.
No Brasil nem a serendipidade dá
certo.