Algumas
profissões serão duramente afetadas pela Inteligência Artificial (IA). Em
algumas outras, a IA terá mais dificuldades em avançar no curto prazo. E, ainda
bem, a IA comete falhas bem humanas. Tomemos como exemplo o seguinte caso real.
Um escritor, para cada livro que escrevia, precisava de uma imagem para montar
a capa do livro. Para isso, adquiria os direitos de uso de uma imagem. Um
artista digital ou um fotógrafo eram pagos. Há alguns meses, o escritor
descobriu o software Midjourney, que usa IA e produz imagens a partir de uma
simples descrição do resultado desejado. Agora, ele apenas especifica ao
software como deseja a capa e em instantes tem o produto. Podendo criar várias
alternativas e escolher a que julgar melhor. A consequência direta é que há
menos demanda para trabalhos dos artistas digitais e dos fotógrafos.
De
uma forma geral, todos os trabalhos para os quais existe uma grande base de
exemplos digitalizados podem ser processados por softwares de aprendizado
automatizado, de forma que a tecnologia adquire a habilidade de produzir
variações dos exemplos estudados. É o caso de atividades como escrever
romances, pesquisar informações, produzir imagens digitais ou escrever petições
à justiça. E é possível estender essa lista acrescentando outras atividades
como a produção de música, de filmes e de artigos de opinião.
Quem
possui trabalhos nessas áreas vai rapidamente sofrer os impactos da IA, ou está
sofrendo. Em maio, a IBM anunciou que evitaria a contratação de pessoas para
funções que podem ser desempenhadas pela IA. Para escapar disso, melhor ir
pensando em profissões que exijam criação de novos conhecimentos ou
informações, como a pesquisa científica e o jornalismo noticioso; ou a solução
de problemas para os quais não há regras pré-definidas, como a gerência de uma
empresa; ou profissões que exigem alto grau de empatia, como trabalho social e
psicoterapia.
Contudo,
a Inteligência Artificial também comete erros bem humanos. No mês passado, um
escritório de advocacia de Nova York usou o chatGPT para produzir uma petição
em processo movido contra uma empresa de aviação. Na peça processual foram
elencados vários precedentes legais. Quando o processo chegou aos advogados da
empresa ré, eles não encontraram os casos citados como precedentes. Uma rápida
investigação descobriu que os casos só existiam como uma "invenção"
do chatGPT.
É
preciso refletir sobre como a IA produz resultados. É por meio de um processo
de combinações estatísticas de palavras que estão na base de dados do modelo de
IA. Essas palavras são unidas umas às outras de uma forma que pareça fazer
sentido estatisticamente. Mas os modelos de IA sofrem de uma falha bem
conhecida no mundo da tecnologia: as alucinações. São situações nas quais eles
produzem resultados absurdos, porque a técnica de combinações estatísticas
acabou resultando em uma combinação absurda, sem nada a ver com a realidade.
Um
ser humano alucinado perderia o emprego. Os advogados que usaram a alucinação
do chatGPT foram punidos em 5 mil dólares pelo juiz do caso. Mas o chatGPT não
será demitido. O algoritmo será ajustado para tentar evitar problemas como esse
e, se as alucinações forem controladas e não houver muitos novos danos, o
chatGPT permanecerá sendo muito usado.
Contudo,
há outro efeito colateral ainda mais preocupante que decorre do uso da IA nas
atividades humanas. Em muitas situações, o que se deseja premiar é a habilidade
humana. Então, não é justo homenagear trabalho que foi quase exclusivamente
produzido por um programa de computador. Vejamos o caso de uma competição de
fotografia na Austrália, no começo deste mês. Uma das fotos enviadas foi
desqualificada por suspeita de que teria sido produzida com auxílio da IA. A
expressão "suspeita" é extremamente relevante nesse caso. A autora da
foto declarou que isso não ocorreu, e que ela teria tirado a foto com seu
celular.
Estamos
presenciando uma mudança fundamental na vida em sociedade. Quando a IA começou
a produzir resultados artificiais semelhantes aos produzidos pelos humanos, o
problema agora não é apenas o risco de tratar como reais produtos criados pela
IA, outro problema ainda maior é tratar como falsos os produtos realmente
oriundos do talento humano. A propósito, este artigo foi realmente escrito por
um humano, ou foi produzido pela Inteligência Artificial?