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Crônica: Pandemia de infelicidade

Pandemia de infelicidade

Quem frequenta redes sociais, especialmente as mais dedicadas a filmes e fotos, pode achar que está tudo bem. Mas aquelas fotos com largos sorrisos, vídeos com dancinhas, brindes e celebrações, frases espirituosas e otimistas podem estar escondendo melancolias.

O mundo nunca foi tão infeliz. E quem diz isso são os frequentadores deste planeta, o terceiro do nosso sistema solar, que mais do que nunca assume o epiteto bíblico de vale de lágrimas, também presente – embora escape a muita gente – na oração Salve Rainha.

Levantamento feito pelo instituto Gallup em 142 países mediu o índice de Experiência Negativa, que é o nome bacaninha para definir, somadas, as sensações de raiva, frustração, tristeza, estresse e dor física das pessoas – infelicidade, enfim. O resultado é ruim, mostra que o fenômeno é global, uma pandemia.

O índice é medido a partir de cinco perguntas, todas referentes ao dia anterior: 1, sentiu-se descansado? 2, foi tratado com respeito? 3, riu ou sorriu? 4, aprendeu algo ou fez alguma coisa de interessante?, e 5, aproveitou o dia?

O resultado é o pior desde que o levantamento começou a ser feito, em 2006, embora os infelizes se mantenham num mesmo patamar. Se servir de consolo, os latino americanos – ao lado dos habitantes do sudeste asiático – lideram as respostas positivas. Mas nós, brasileiros, estamos menos felizes que mexicanos e paraguaios.

Os antigos gregos traduziam felicidade de forma sucinta: boa sorte. Tales de Mileto, sábio romano e sete séculos antes de Cristo, desenvolveu a definição – para ele, feliz é “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Platão disse que a felicidade nasce da ventura e da justiça na alma.

A filosofia parou de discutir a felicidade quando Kant deixou de lado a questão ética e colocou o sentimento na seara do desejo e do prazer. Em compensação, ser feliz passou ser um direito do homem, conforme foi escrito na Constituição dos Estados Unidos.

É também a ótica iluminista que se manifesta na certeza da Fundação Mundial da Felicidade – sim, há uma! – ao sustentar que é possível treinar para ser feliz. E oferece princípios: comer bem, dormir, rodear-se de gente positiva, não valorizar o passado, respirar, contemplar, meditar, conviver com a natureza.

Bertrand Russel retomou a discussão com A Conquista da Felicidade e defende basicamente que ela depende de uma convivência harmônica, algo como dizer que ninguém é feliz sozinho. Talvez por isso é que está tão difícil.

O ser humano tem uma tendência para o drama que vem sendo amplificada na comunicação eletrônica. É uma exposição de carência que ajuda a angariar empatia e simpatia, mas que acaba por afundar a todos neste círculo de infelicidade.

Fiz minha própria enquete e perguntei ao Chico, que guarda carros na frente de um restaurante na Asa Norte. “Você é feliz?”. A resposta veio rápida: “Tem hora”. Usei a técnica do Gallup: “Você foi feliz ontem?” Aí o Chico elaborou um pouco mais: “Claro. Se eu estou vivo hoje é porque eu fui feliz ontem”. Simples assim.


Paulo Pestana – Correio Braziliense




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