Quando o cineasta Nelson Pereira dos Santos morou aqui na cidade – aliás, bem na frente da casa do ex-presidente Collor – começou a escrever o roteiro de seu filme Brasília 18%, lançado em 2006. O tema é poder e corrupção, mas não é das melhores entre as 27 obras que o mestre deixou, em que pesem ótimas atuações de Carlos Vereza e Othon Bastos.
O filme faz uma óbvia referência
a Rio, 40 Graus, primeiro longa-metragem do diretor, pedra basilar
do chamado cinema novo, realizado pouco mais de 50 anos antes. A diferença é a
primeira produção é um retrato cru da então capital brasileira, enquanto a nova
capital é mostrada como uma espécie de paraíso dos malfeitores.
Velha lenga-lenga. Como se o
desvio moral de políticos vindos de todo o país fosse despertado pela
arquitetura e pela falta de umidade da cidade.
A história parte de um corpo não
identificado e das pressões que um médico legista sofre para declará-lo como
sendo de alguém que ameaçava denunciar um grupo de políticos. Nelson Pereira
poderia usar a lama para fazer seu protesto – aliás, pueril para um homem de 78
anos –, mas seria muito óbvio. Usou a secura.
O filme pode ser visto no
YouTube pela módica quantia de R$ 7,90.
Era um tempo – mais um – de
desencanto com o mundo político; no meio das denúncias do que ficaria conhecido
como mensalão e que acabaria com a ilusão de que havia algo diferente no ar. Os
partidos estavam igualados na podridão; e dali para a frente as coisas só iriam
piorar.
A seca, embora brutal, era muito
mais amena do que a que a aridez que temos enfrentado este ano, com dias
apresentando 10% de umidade, ou seja, um clima de desafiar tuaregue e de matar
camelo de sede.
A política continua com seus
conchavos áridos e ideias desidratadas, combinando perfeitamente com o
mal-estar provocado por esses dias acanaveados, em que a pele engelha, o nariz
sangra e a cabeça dói. Beba água, dizem. Não cabe mais, digo.
Se a natureza fosse perfeita
daria a todos que vivem por aqui pelo menos uma corcova, como a dos
dromedários, para armazenar água; se fosse mais generosa, daria duas, como têm
os camelos.
Somos uma população marcescível,
adjetivo que aprendi há pouco tempo, fazendo palavras cruzadas – onde mais
encontraria uma palavra como essa? – e que denomina algo seco, estorricado,
adusto.
Ano passado o Distrito Federal
ficou 131 dias sem que caísse um pingo do céu. Este ano, graças a esparsas – e
bota esparsa nisso – chuvas que fingiram cair aqui e ali, não chegamos a tanto,
mas a sensação atual é excruciante.
Bom para farmácia, que vende
mais manteiga de cacau, hidratante de nariz e pílula para cefaleia, ruim para
quem precisar pensar, péssimo para quem quer dar uma corridinha matutina e
queimar o álcool da noite anterior.
Mas os ipês, estressados pela
falta de hidratação e dias mais curtos do inverno, florescem. Os mais velhos
dizem que a flor amarela chama chuva. As flores já apareceram; porque é que a
chuva está demorando tanto?