Se os artistas são a alma de uma
cidade, aqueles que são também professores formam uma categoria a parte e
mereceriam ter toda homenagem. Não é assim. Há pontes com nome de engenheiro,
espaços com referência a esportistas, políticos e até gente que pouca gente
ouviu falar. Algumas vezes é até merecido. Para os artistas, muito pouco.
Mas eu tenho o meu panteão, meu
fictício jardim de bustos, com a imagem de gente que subiu, mas que continua
espalhando influência, amor e arte. Um deles é o de José Carlos da Silva,
admirado como Carlinhos Sete Cordas, mestre do chorinho, professor de violão,
sábio em tempo integral e que nos deixou há exatos quatro anos.
Carlinhos já era músico
reconhecido quando chegou a Brasília, trazido por gente mais identificada com
farra do que com música, com a promessa de uma “colocação”, subterfúgio para
definir um emprego público. O serviço não saiu, mas já no primeiro sarau
encantou-se por uma morena, Alcione, motivo para nunca mais ir embora.
Impressionou o extraordinário
Waldir Azevedo, que o levou para tocar pelo mundo, mas depois se aquietou como
professor de centenas ou até milhares de alunos, ele não sabia precisar.
Trabalhou na Escola de Música sem saber ler uma pauta, depois de deixar o maestro
Carlos Galvão abismado com sua técnica. Só muito tempo depois é que gravou um
disco com seu nome.
Agora aparece uma faceta que
poucos privilegiados conheciam e que mostra que Carlinhos, para além das sete
cordas do violão, também sabia usar muito bem as cordas vocais. Alcione Tomé, a
morena que ele conheceu logo que chegou, está reunindo gravações caseiras que
ele fez com canções que interpretava entre amigos e que nada têm a ver com o
choro.
São canções recolhidas do velho
repertório da música brasileira, como Tua Canção, de Ted Moreno,
famosa nas interpretações das vozes potentes e amplas de Orlando Silva e
Altemar Dutra. E Carlinhos solta a voz, bonita, bem colocada e expansiva,
surpreendente para quem o ouvia falar, quase sempre contido, ouvindo mais do
que falando.
Carlinhos chegou a cantar em
público uma vez para sossegar uma turba de garimpeiros no Pará e foi muito
aplaudido, mas preferia tocar. Em Vai ser Tão Fácil, de Igor
Lancelotti, gravada por Elizeth Cardoso e depois Beth Carvalho, o cantor
Carlinhos mostra muita qualidade; capricha nos agudos e sustenta as notas
finais dos versos como os melhores seresteiros.
A letra triste – “é só em Deus
não crer/ Fingir que sou feliz assim/ Vai ser tão fácil esquecer você/ Vou
esquecer de mim” – contrasta com o sorriso que ele sempre carregava.
Ele também deixou o
samba-canção Um Novo Céu, de Fernando César e Ted Moreno, gravada
por Marisa Gata Mansa e Roberto Audi, entre outros. Aqui é só ele e o violão;
sem outros instrumentos – para quê? – e com interpretação mais contida e menos
dramática.
O meu fictício jardim de
esculturas já tinha um busto do violonista; agora tem outro para o cantor.