Carvalho foi criado de pés descalços, jogando bola, soltando pipa e
fazendo tudo o que as crianças fazem; mas garante que nunca frequentou os
fundos da igreja do bairro daquela próspera cidade paulista, até porque lá
jazia – ainda jaz, aliás – um pequeno cemitério.
Homem feito, veio para Brasília depois de passar por outras cidades
grandes, sempre morando em apartamentos, alguns tão pequenos que tinha que
abrir a janela para vestir o paletó.
Aqui ele reencontrou o espaço da infância. Este é um dos encantos de
Brasília e que nos faz meninos de novo. O imenso parque que circunda os
prédios, os espaços vazios e a sensação de imensidão fazem a delícia de quem
cresce aqui e o delírio de quem pode imaginar como seria ter tudo isso à
disposição e pernas para correr.
Carvalho decidiu ficar por aqui; viu oportunidades, estava bem no
emprego, encontrou uma mocinha cheia de encantos. Não precisava de mais nada.
Ou melhor: precisava ter o espaço dele, um quintal como o que havia na casa da
avó.
Comprou uma casa no Lago Norte. Era uma construção modesta; dois
quartos, uma salinha, cozinha e banheiro – nada mais. Mas era uma ponta de
picolé, qualificação exclusivamente brasiliense para lotes localizados nos
extremos dos conjuntos residenciais. Três mil metros quadrados de área para
fazer o que quiser.
Mudou-se e, assim que as finanças permitiram, construiu uma bela casa no
local; ampla, confortável e funcional. Desistiu de fazer o campinho de pelada
no quintal – na verdade foi a mulher que, além dos encantos, exerceu o direito
de veto que, ao que parece, vem escrito na certidão de casamento em letras
miúdas que os homens não conseguem ler.
Ela não queria ter um bando de marmanjo correndo atrás de bola e
xingando alto. No lugar plantou árvores frutíferas, criando um pomar que, hoje,
abastece até a vizinhança.
Há abacateiro, amoreiras, mangueiras, aceroleiras e mexeriqueiras, que
fazem companhia a dois pequizeiros que já estavam lá desde que o local era
habitado apenas por siriemas. São árvores que anualmente cumprem seu destino e
ficam abarrotadas de frutos que fazem mais doce a vida do feliz Carvalho.
Mas agora ele tem companhia para saborear os frutos. Duas imensas
araras, azuis de doer o olho, descobriram que as árvores são bem tratadas e que
os frutos vêm carnudos. Chegam cedo e quase não fazem barulho – ao contrário
das primas, maritacas, que atacam o coqueirinho e, parece, falam até de bico
cheio.
Carvalho ainda não tinha visto as araras amantes de pequi. Ocupado, olha
pouco para o alto e só teve ciência do caso quando viu o afoito faz-tudo da
casa jogando pedras e pedaços de pau no pequizeiro.
– Tá maluco, João. Jogando pedra em árvore? O rapaz apontou para o alto e mostrou as araras.
– Elas estão comendo todo o pequi – disse, abaixando para pegar mais
munição.
Carvalho interveio e pediu que deixasse, que pequi ele compra no mercado, mas que queria ter a beleza das duas aves no quintal. João parou, mas saiu resmungando para a faxineira: – Esse povo rico tem cada coisa. Imagina dar comida para passarinho que nem é dele.