Dona Didi estava parada em
frente ao portão. Todo dia era assim: ela recebia os alunos no pequeno alpendre
do externato; mas alguma coisa estava errada. Eu mesmo vi quando começou o
trabalho de demolição da ampla casa amarela que abrigava a escola; vi quando o
muro baixo foi substituído por um tapume. Também vi um prédio pronto no mesmo
lugar, ao lado da Catedral, naquela rua íngreme que nos fazia chegar arfando à
aula.
Mas ela estava lá. Não chegava a
ser gorda, mas era corpulenta, tinha o cenho sempre decidido e fechado, com
sorrisos reservados apenas aos pais. E trazia permanentemente uma ameaçadora
régua numa das mãos, batendo-a na palma da outra mão; corria entre os alunos a
lenda que ela guardava uma palmatória, na esperança que seu uso fosse novamente
autorizado para punir os maus alunos.
Mas eu sabia que Dona Didi havia
morrido. Foi este o motivo da escola ter fechado. Ainda assim ela estava ali.
Ao lado dela, como sempre, a mais bela professora do mundo, a minha professora
– como era mesmo o nome dela? Não conseguia lembrar.
É por essas e outras que eu
ainda acho que o medo é uma força maior que o amor – como é que eu lembro o
nome da mulher que mais me meteu medo na vida e não lembro como se chamava a
dona do sorriso mais doce, que guiava minha mão sobre a pauta de caligrafia?
A sensação era estranha – eu
ainda não tinha consciência que era um sonho, até porque no meu caso eles são
quase sempre misteriosos, fragmentados, desconexos. Jung ensinou que o sonho é
uma força da natureza, não depende de nada para aparecer, mas pode ser uma
reação a uma situação de consciência. Parece que era o caso.
Há alguns dias eu tivera uma
conversa com uma amiga professora em escola pública de uma cidade satélite que
renovou a minha inabalável crença no fracasso da raça humana. Narrou casos cada
vez mais freqüentes de agressões verbais, intimidações e até violência física
contra colegas.
Ela está para desistir. Nem a
Lei que garante ao professor autoridade para retirar um aluno da sala de aula –
o que, por si só, mostra o tamanho do absurdo vivido pelos mestres – serve de
paliativo. “A gente entra na sala com os nervos à flor da pele, sem saber o que
esperar”, me disse, enquanto eu me lembrava do dia, décadas atrás, que Ambrósio
fez xixi nas calças durante uma bronca, em que ficou o tempo todo de cabeça
baixa.
Não sei o que aconteceu com o
conceito de autoridade, que vem sendo corroído em nome de uma liberdade que não
respeita ninguém e que, portanto, não é liberdade. Nos últimos anos tem
assumido ares de epidemia, já que ninguém quer se submeter a nada, mas quando
um professor tem medo de ensinar é sinal que a picada está no fim.
E ainda tem gente que acha que
vamos começar resolvendo os problemas brasileiros obrigando motorista a acender
o farol durante o dia ou adoçando palavras para disfarçar o amargor do
preconceito.