Foram meses de negociação, mas o
amigo cedeu: aceitou ir à nutróloga. É preciso dizer que ele se esqueceu de ler
as letras miúdas do acordo com a esposa, porque nem sabia que existia essa
profissão. Se soubesse que nutrólogos são médicos que avaliam o comportamento
alimentar do cristão, provavelmente a negociação teria sido mais dura.
Esse amigo é adepto radical da
culinária do excesso. Sarapatel de entrada, um caldinho de mocotó para
esquentar o que a cerveja esfria, e um prato principal que, se não for
sexta-feira, dia de feijoada, pode ser um cozido nordestino, uma buchada ou
qualquer dessas ignorâncias, dieta que explica a protuberância do abdômen.
Outro erro: foi acompanhado da
mulher, que queria ouvir tudo o que a moça – sim, era uma nutróloga – teria a
dizer sobre o seu pedaço (era assim que eles se tratavam; pê para cá, pê para
lá, um diminutivo mais comportado para uma gíria que já era ultrapassada quando
se conheceram). Os amigos do bar dizem que, hoje, ele está mais para caco, mas
ele acha que é inveja.
A doutora fez uma lista de
exames que ele teria que cumprir nos próximos dias, já adiantando que o
diagnóstico não seria bom. No meio do caminho, houve a fatídica pergunta: “O
senhor bebe?”. Óbvio que ele respondeu que bebia apenas socialmente, mas a presença
da mulher prejudicou a indignação que ele tentou imprimir, porque ela não foi
sutil.
“Mentira”. A mulher da gente tem
essa mania de ser direta; não consegue entender que a vida pede uns desvios,
umas respostas menos incisivas – pelo menos quando nós, homens, estamos em
apuros. E aquela era uma situação de sufoco. “Doutora, ele vai ao bar todo dia,
tenho aqui no celular as contas que ele paga”, completou.
Outras desculpas saíram num
turbilhão da boca do amigo, mas não adiantou muito; estava desmoralizado. Até
que surgiu um pirilampo naquele breu, quando a médica disse que não ia pedir
para ele parar de beber – uma vitória! As caraminholas cessaram; era a única
coisa que o preocupava.
Foi uma vitória de Pirro, o rei
do Epiro, que venceu os romanos mas perdeu todo o seu exército. As derrotas
vieram em sequência: “O senhor tem que perder peso. E rápido”, disse ela. Nada
de doces – “sem problemas”, pensou – e, mais difícil, alimentos gordurosos; e…
(não deve ter havido a pausa dramática que ele fez quando nos contou o
drama, mas em respeito à fonte, estão aí as reticências) …diminuir o álcool.
Na mesma hora ele pensou num
amigo de mesa que continua frequentando o bar mas bebe apenas água. Conversa,
brinca, aposta, faz tudo sem álcool. Não sei se é feliz, mas finge bem, está
firme. A nutróloga falou em diminuir, não em parar. E concluiu: O senhor pode
tomar umas duas doses por semana”.
O amigo fez cara de pôquer. Eram
duas contra um e ele se sentiu pressionado. Ficou calado, fez os exames e toma
os remédios, tudo certinho. E trocou o uísque por vodka, que não deixa bafo.