Deu no jornal: o brasileiro está
vivendo a vida real apenas três dias por semana. Como não sou estatístico nem
nada, tomei a iniciativa de inverter o resultado de pesquisa feita por uma
empresa de segurança digital – o dado originalmente divulgado é que nossos
compatriotas passam, em média, 91 horas por semana conectados na internet.
A conclusão é óbvia: o futuro
chegou e fomos transformados em nossos próprios avatares, bonequinhos vivendo
uma vida onírica embora a paisagem seja de pesadelo – e o pior é que nesse jogo
a gente não sabe o que fazer para pular de fase.
Mas a conta é simples. Se a
expectativa de vida do brasileiro é hoje de quase 76 anos, nesse passo as
pessoas estão vivendo 41 anos ligadas em aparelhos. Mas como desligar o tubo? E
este é um problema brasileiro: em países mais desenvolvidos a média de uso da
internet cai pela metade. E não consta que eles sejam mais atrasados que nós.
O dado pode estarrecer, mas não
é surpresa para ninguém da minoria que insiste em viver a vida como ela é,
observando o que se passa ao lado e vendo casais jantando juntos de corpo
presente e mente ausente, com uma garrafa de vinho à mesa, mas sem conversar,
vidrados na telinha dos celulares.
Mesmo em encontros de amigos no
bar, normalmente uma algazarra, há comensais que pouco participam da conversa
porque, ironia, estão conversando com outras pessoas, bem mais distantes, via
telefone celular.
Não sei se é do conhecimento
geral, mas nos bares também temos especialistas para qualquer ocasião e, posto
o assunto na mesa, logo houve uma manifestação. Nesta tarde-noite foi o Luiz
Gustavo, que se formou em psicologia, mas como passou no concurso para
trabalhar num banco, nunca exerceu a profissão – só que não esqueceu as lições
dos bancos escolares (é o que pelo menos nós, leigos, acreditamos).
E foi ele quem ofereceu uma
tese, meio improvisada, sem maior aprofundamento, para o fenômeno: o desejo de
ser médico; ou melhor, ser Deus, o que é quase a mesma coisa. O sujeito quer
onipresença, onisciência e outros ‘oni’, prefixo que exprime a noção de tudo,
todos (todes também), numa necessidade de estar em todos – ou pelo menos em
vários – lugares ao mesmo tempo, sem poder perder nada.
Ninguém discutiu. Era uma
teórica que beirava a seriedade e não estávamos ali para isso. Mas pode ser
pior: o Brasil vive hoje uma crise de saúde mental. Cerca de 70 milhões de
pessoas sofrem com algum tipo de transtorno, 11% delas – quase oito milhões –
têm sintomas depressivos. É um país ansioso, oposto à imagem vendida de
felicidade.
São dados oficiais, da
Associação Brasileira de Psiquiatria, que desmontam mais de 500 anos de
história de que somos um povo despreocupado, sempre a espera do carnaval e de
um feriado esticado. O brasileiro é hoje um agoniado, cheio de rugas, que não
enxerga um horizonte tranquilo.
No bar também temos filósofos
práticos, algo como protéticos do comportamento humano. E foi o Maurição quem
vaticinou: isso é coisa de quem não tem o que fazer. “Preocupação é coisa de
quem não tem ocupação”. Me limitei a pedir mais uma dose.