Cheguei para uma reunião de
trabalho um pouco antes do horário combinado e a secretária da autoridade pôs
uma caixinha de madeira sobre a mesa, e avisou: é para deixar o telefone quando
entrar. Na hora não entendi, mas um companheiro mais escolado me socorreu. “É
para evitar grampo”, disse. “Medo de ser gravado”.
Eu sempre penso em mim como um
sujeito de confiança. É uma das minhas raras virtudes, acho eu. Só falo mal de
pessoas que merecem espinafração. Mas na antessala daquele gabinete, a
autoridade deixava claro que não confiava em mim; mas antes que eu começasse a
ficar amuado, fui me lembrando que na verdade eu sou suspeito.
Afinal, só um suspeito é vigiado
24 horas por dia, sete dias por semana, como acontece comigo. Não há um lugar
em que eu vá que não tenha uma câmera acompanhando meus movimentos e agora sei
como se sentia Ubaldo, o Paranoico, personagem das tirinhas do Henfil, que
tinha certeza que estava sendo vigiado.
Encerrado o assunto com a
autoridade, não resisti a um chiste quando ele perguntou se eu havia entendido
a nossa conversa. “Está tudo gravado”, eu disse. Antes que ele tivesse um
sobressalto, apontei para a cabeça. “Aqui”. Deixei escapar um sorriso, mas ele
não pareceu entender. Depois me caiu a ficha: eu não havia gravado nada, mas
não tinha tanta certeza de não ter sido gravado por alguma câmera escondia.
Saindo dali fui à farmácia
depois de ter passado por uns três pardais de trânsito; lá dentro havia o
cartaz – “Sorria, você está sendo filmado”. Embora o cartaz estivesse escondido
atrás de uma estante, pelo menos era um aviso. No supermercado não vi aviso,
mas tinha câmera; até ajeitei a camisa dentro da calça.
O fato é que dá saudade dos
tempos em que as únicas câmeras escondidas eram as dos programas de televisão
que mostram pegadinhas, para flagrar incautos em situações constrangedoras.
Hoje todo mundo é um potencial espião – e ao mesmo tempo está sendo vigiado –
como aquele velho quadrinho da revista Mad: Spy vs. Spy.
Na Feira do Paraguai tem botão
de camisa que grava até duas horas de vídeo de boa qualidade, microfone
disfarçado de brochinho e ligado a um gravador fica nas costas ou no bolso,
captadores de som do tamanho de uma unha que pode ser deixado num canto da sala
e transmitir para um gravador colocado fora do ambiente, relógio que filma sem
atrasar as horas e mais um bocado de tralha para vigiar a vida alheia.
No mundo virtual é pior.
Consultar ou comprar pelo computador equivale a entregar um pouquinho da nossa
alma. Comprei o livro Trinta Segundos Sem Pensar no Medo, de Pedro
Pacífico, e no mesmo momento em que fechava a conta, me ofereceram cinco outros
livros que “poderiam interessar” a mim. Estou fichado. No fim, resta um
consolo: pode ser que eu não me conheça direito, mas o computador da Amazon
sabe exatamente quem sou e o que quero. É o meu analista.