O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai receber em 22 de novembro a primeira
ministra brasiliense. Nascida e com formação na capital do país, Daniela Teixeira, 51 anos, chega para ocupar a vaga aberta com a
aposentadoria do ministro Félix Fischer, depois de ter o nome aprovado pelo
Congresso Nacional na última quarta-feira (25/10).
Não
foi fácil, evidentemente, conquistar um cargo tão cobiçado. O momento mais
difícil, segundo Daniela, foi a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça
do Senado. O nível de exigência para que Daniela demonstrasse notório saber
jurídico foi bem diferente do cobrado dos desembargadores também indicados para
outras vagas no STJ. “Foi uma realidade muito cruel, de machismo”, diz.
Daniela
é a sexta integrante mulher de uma corte de 33 ministros. A última nomeação
havia ocorrido há 10 anos, quando Regina Helena Costa foi indicada pela então
presidente Dilma Rousseff. Com personalidade e opiniões definidas, Daniela, que
sempre foi feminista, agora pretende vestir a toga em todos os sentidos. Só
participará de campanhas abraçadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e
não fará manifestações fora dos autos.
Mas
quem a conhece sabe como a nova ministra deve se posicionar nos processos.
Advogada criminalista, ela é garantista, defende os direitos individuais e é
contrária ao encarceramento. Integrante do grupo Prerrogativas, terá um olhar
severo sobre operações policiais escandalosas e focadas nos holofotes.
Na
corte, a magistrada herdará 13 mil processos. Vai integrar a 5ª Turma, da área
criminal. E pretende seguir suas convicções, dentro dos limites da
magistratura. “Todos sabem quem é Daniela Teixeira”, diz. Leia, a seguir, os
principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
Qual
será o olhar de uma ex-advogada na magistratura? Acho isso muito
importante. Nosso constituinte poderia ter dito que os ministros dos tribunais
superiores seriam todos concursados, juízes de carreira. Vários países fazem
essa opção. A nossa Constituição, não. Ela quis que um pedaço do tribunal
viesse da advocacia. Eu fui advogada há 27 anos, não fiz concurso, não estudei
para ser juíza e eu vou começar como ministra do tribunal. Algumas pessoas
estranham, mas é exatamente o que quis o nosso constituinte: que houvesse, no
tribunal, ministros com esse olhar de advocacia. Isso quer dizer que eu vou ter
lado na demanda? Claro que não. Até porque normalmente a demanda tem dois
advogados, um de cada lado. O que o constituinte quis é que eu levasse um olhar
da parte.
Por
que isso é importante? Durante os últimos 27 anos, eu ouvi o que o cidadão
pensa da justiça brasileira, como autor ou como réu. As suas dores, suas
angústias. O tempo, para quem está preso injustamente, é muito diferente do
tempo do juiz. Uma coisa é um juiz falar em periculum in mora (perigo na
demora, em latim). Outra coisa é um advogado explicar para uma mãe qual é o
perigo da demora daquela decisão que, se levar uma semana, pode ser a vida do
filho dela. Pode ser a empresa que vai fechar. Pode ser o emprego daquela
pessoa. Então, o constituinte quis que a advocacia estivesse lá, não para
defender um lado ou outro, mas para defender o cidadão.
Do
ponto de vista do cidadão, quais são as demandas mais urgentes no STJ? A
maior reclamação é o tempo. Quando o processo chega ao STJ, ele tem uma média
de 10 anos. Imagine você procurar um advogado e ele fala: o seu processo vai
durar entre 10 e 14 anos. Isso precisa diminuir urgentemente. Justiça tardia
não é justiça. Isso já é dito há 100 anos, e a cada ano tem ficado mais urgente
tomar uma decisão, que é diminuir a carga de processos, o número de recursos.
Há
medidas concretas para mudar isso? Foi aprovada uma PEC que criou um novo
tipo de solução. É a cláusula de relevância, segundo a qual o STJ vai ter um
filtro e dizer: essas causas, não julgo mais. Já julguei uma vez e não vou
julgar. O Tribunal de Justiça vai ter que obedecer a orientação que veio do
Tribunal Superior. É bom para os dois lados. Não é bom para ninguém uma demanda
que leva 14 anos.
É uma medida para que a justiça chegue a
tempo. Sim. Uma justiça que chega com 15 anos de atraso é uma injustiça.
Ela não é justiça.
A senhora também leva para o STJ o olhar feminino.
Como será isso? Há uma frase da qual gosto muito: nada sobre as mulheres
sem as mulheres. Se não tem mulher falando, não tem que se falar sobre mulher.
É muito importante que a gente esteja no tribunal. Metade do Brasil é de
mulher, não é razoável ter tribunais inteiros de Justiça, como acontece em
alguns estados, sem nenhuma mulher. É preciso que a mulher esteja no Poder
Judiciário, porque o Judiciário dita normas de conduta, normas de moral. O Legislativo
tem uma lei muito seca: melhor interesse da criança, diz a lei. Quem vai dizer
o que é o melhor interesse da criança é o juiz. E se não temos juízas julgando
processos de família, vai ser sempre um olhar do homem, do pai, de quem não é
mulher. (Vídeo ~~~)
Por quê? Ninguém há de me convencer que, numa
próxima lista de Ministério Público, não exista uma só promotora no Brasil
inteiro que esteja habilitada para ser ministra do STJ. Ninguém vai me
convencer que não existe uma juíza federal no Brasil habilitada a entrar na
lista. É um esforço que tem que ser feito para a gente alcançar não digo a
paridade — porque essa vai levar décadas — mas para melhorar minimamente alguns
tribunais onde não tem nenhuma mulher.
Em relação ao Supremo Tribunal Federal, qual sua
expectativa? A vaga está aberta, então não posso lamentar nem celebrar. Eu
entendo que o Supremo Tribunal Federal é diferente. A Constituição quis assim,
da mesma forma que quis que a minha vaga passasse antes pela OAB, passasse pelo
STJ, para só então chegar ao presidente. Acho que tem de haver um esforço do
Tribunal e do CNJ para obrigar que o presidente tenha a opção, para ele não ter
que dizer: “Mas eu não tinha mulher na lista para escolher”.
Por que o STF é diferente? O que acontece no
Supremo é algo muito específico, constitucional. O seu Tribunal de Justiça,
não. Ele decide o prazo para você ser despejado; se uma loja pode ficar perto
da outra ou não. Ele decide a guarda do filho, a sua vida do dia a dia. O que
me move é a presença das mulheres nos Tribunais de Justiça, nos TRFs, no STJ,
no TSE e no TST. O Supremo Tribunal Federal é um tribunal político. É uma
escolha do presidente da República. Foi assim que a Constituição quis.
Na sua jornada até o STJ, como essa questão de
gênero foi colocada? Eu senti muito isso no Senado. O Senado, para mim,
foi um choque de realidade brutal. Conversei com todos os senadores
individualmente, e foi um choque. O Senado representa o Brasil. É o que a média
dos brasileiros pensa, votando secretamente naquilo que talvez não confesse no
almoço de domingo. Foi uma realidade muito cruel, de machismo.
Pode dar um exemplo? Houve caso de eu ir para
audiência, com dois colegas que não competiam comigo — nós três indicados
tínhamos que ser apenas referendados pelo Senado. E para mim, a pessoa
pergunta: qual a sua opinião sobre o marco legal do saneamento? Eu tinha uma
opinião perfeita, jurídica e dava. E para a pessoa do meu lado, o parlamentar
perguntava: o senhor se formou onde? Eu sou absolutamente capaz de responder
que me formei na UnB. Um senador me perguntou quem foi o senador autor da ideia
de trazer a capital para o Centro-Oeste. E eu disse, como toda brasiliense,
conheço a Missão Cruls, conheço o sonho de Dom Bosco, o famoso comício de JK.
A resposta não foi a contento? Ele disse: “Não, doutora. Eu perguntei o nome do senador que, em 1892, trouxe a ideia da capital aqui”. Senador, desculpe, eu não sei. Para quem tiver curiosidade: foi Lauro Muller. E na mesma audiência, o senador perguntou ao meu colega: o senhor é devoto de Padre Cícero? Se me perguntassem, eu saberia dizer que sou devota de Nossa Senhora de Fátima. As perguntas eram sempre num nível muito mais elevado de conhecimento técnico para mim do que para os dois. Era como se perguntassem: a senhora tem certeza de que tem condição de ser ministra do STJ?
Foi desproporcional, então. Foram dois meses
muito difíceis no Senado. Eu me preparei muito para o STJ e para a sabatina do
Senado. Soube responder a todas as perguntas. A única que eu não soube foi a do
Lauro Muller, 1892! As outras respostas eu sabia, mas não fizeram essas
perguntas para os outros. E a sabatina durou cinco horas. Isso é sabatina de
ministro do Supremo. Sabatinas de ministros do STJ, normalmente, são simples,
rápidas, curtas. A sabatina durou cinco horas, e praticamente todas as perguntas
eram para mim.
Houve um viés machista, claramente. Foi
realmente uma sabatina dura. Mas passei bem. Foram só cinco votos contra 68 a
favor. Foi o placar mais alto do STJ até hoje.
A senhora falou das suas convicções e do seu
ativismo. Isso terá lugar no STJ, no seu trabalho enquanto ministra? Não.
Quando eu era advogada, me portava como advogada. Era importante que eu
falasse, era questão de ser advogada, a voz de quem não tem voz. Agora, como
magistrada, sei que isso acabou. E por que você pode ter a garantia de que isso
acabou? Porque fiquei 27 anos na OAB e não tenho nenhum processo ético. Sempre
guardei a ética de onde eu estava. Então, como magistrada, sei que vou ter que
agir rigorosamente, como diz a Lei Orgânica da Magistratura. Vou ser uma
magistrada discreta, que fala nos autos e que não faz mais campanhas que não
sejam do CNJ. A campanha do CNJ pela paridade das mulheres no Judiciário, por
exemplo, nessa eu posso me empenhar.
O que a instiga a trocar a paixão pela advocacia pela magistratura? Ontem (26/10) eu entreguei a minha carteira na OAB DF. Estive lá por 15 anos. E fizeram uma cerimônia-surpresa, emocionante para mim. E eu disse isso lá: os meus sonhos, eu cumpri todos. Quando entrei na OAB, nós éramos cinco mulheres em 81 vagas de conselheiros federais. Saí da OAB deixando 41 homens e 41 mulheres. A paridade é obrigatória na OAB. Quando entrei na OAB, nós só tínhamos homens brancos, ricos e velhos. Não é um desrespeito quando eu digo isso, é uma realidade. A OAB era assim. Eu saí e deixei uma OAB muito diferente. Então fiquei com essa sensação de missão cumprida. O que eu fui fazer na OAB, eu fiz.
E no Poder Judiciário? O Poder Judiciário me
dá essa sensação de que estamos cem anos atrasados. Então eu vou para lá. Se eu
vou conseguir isso, se eu não vou, daqui a 15 anos, vocês me entrevistam e eu
digo se consegui alguma coisa. O que me move é tentar fazer alguma coisa de
diferente. O Judiciário é a minha vida. Foi lá que eu atuei como advogada.
Então é lá que eu quero ver as mudanças.
Recentemente uma advogada grávida pediu para
suspender o julgamento, e o magistrado disse que gravidez não é doença.
Trata-se de um confronto à Lei Júlia Matos, que surgiu de um episódio do qual a
senhora foi protagonista. Esse problema ainda vai persistir? Agora, usando
a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), não posso me reportar a esse
caso que ocorreu no Pará. Posso apenas dizer que o CNJ tomou providências
enérgicas, porque era uma decisão hoje absolutamente contra a lei. A lei permite,
apoia e dá toda a condição para a advogada grávida pedir o adiamento do seu
julgamento em razão do dia do parto. Mais do que o dia do parto, a lei permite
a suspensão do processo por 30 dias. E essa lei leva o nome da minha filha. Foi
uma situação idêntica. Eu pedi preferência e o magistrado não me deu. Eu fiquei
aguardando durante seis horas e tive um parto prematuro. E então eu vi que isso
era muito mais comum do que eu imaginava. Quando saiu na imprensa o que havia
acontecido comigo, as pessoas começaram a entrar em contato comigo dizendo:
doutora, aconteceu comigo igual. Fizemos então esse projeto de lei.
E qual foi a reação? Sabe o que tem de mais
interessante? Foi quando fizemos o projeto de lei com o deputado Rogério Rosso.
Levamos ao presidente nacional da OAB e ele disse: claro, Dani! Por que não
pensamos nisso antes? Respondo: ora, não pensamos nisso antes porque, em 80
anos, a OAB nunca foi presidida por uma mulher. Não pensamos nisso antes porque
tínhamos só cinco conselheiras federais em 81 cargos. Não pensamos nisso antes
porque o homem não engravida.
A senhora vai integrar uma turma criminal? Na
última quinta-feira, foi definido. Eu vou para a 5ª Turma, que é de direito
criminal. Mas é importante fazer essa ressalva. Eu assumo a vaga da
aposentadoria do ministro Fischer (Felix Fischer), mas não o acervo do
ministro. O acervo já havia sido repassado para outro ministro.
São muitos processos? Me disseram que são 13
mil. Dá um certo desespero (risos). Mas vai dar.
A senhora é a primeira ministra brasiliense no STJ.
Como isso bate no emocional? Estamos envelhecendo, os habitantes e a
cidade. Nós temos agora o primeiro governador brasiliense, Ibaneis Rocha, e eu,
a primeira ministra brasiliense. A cada dia que passa vai ter mais brasilienses
em cargos de comando. É uma emoção, sem dúvida. Fico muito feliz de
representar nosso quadradinho. Sou apaixonada por ipê, como todo brasiliense.
Não vou reclamar da seca em agosto (risos). Estou literalmente em casa.
O ministro Rogério Schietti, que também é uma
pessoa de Brasília embora não tenha nascido aqui, disse que se sente muito
honrado de ajudar a formar a jurisprudência do Brasil. Até porque esse é o
papel do STJ. Isso também, na sua visão, vai ser algo motivador? Com
certeza. Fico feliz que você tenha trazido o ministro Schietti. Ele é o meu
modelo de ministro. Quando olho para a corte e penso quem eu quero ser daqui a
dez anos, eu digo: quero ser “Schiettia”. Para mim é um modelo de magistrado,
de pessoa. E ele veio do Ministério Público. Quando perguntam se eu vou ser
garantista porque sou advogada, eu respondo que o ministro mais garantista do
tribunal, mais preocupado com os direitos individuais, com respeito à lei, é o
ministro Schietti. O garantismo nada mais é do que o juiz não ter vontade
própria; não julgar pela capa do processo, pelo nome do réu. É o juiz se fixar
no que diz a lei, independentemente do que quer ou não quer a opinião pública.
Então, eu realmente queria muito ser lembrada no futuro como alguém que fez
para o tribunal tudo o que o ministro Schietti fez.
Sobre a abordagem de suspeitos, ele tem uma visão
de que ela precisa de ser muito bem justificada. Isso já está julgado,
então posso falar. É a questão do perfilamento racial. O suspeito, no nosso
país, infelizmente, é o jovem negro da periferia. Uma pessoa branca correndo no
Lago Sul está fazendo jogging. Ele não é abordado pela polícia. O Schietti teve
a coragem de dizer isso, de falar que a invasão de domicílio em busca de provas
tem que ser motivada. Não pode ser porque a pessoa mora na periferia, no morro.
A pessoa, para ser abordada pela polícia, tem que realmente estar em atitude
suspeita. Você não pode considerar suspeita uma parcela da população. É um
excelente exemplo a ser seguido nesses casos.
Como a senhora vê o feminicídio? É uma questão da
legislação, ou é preciso mudar a sociedade? Onde está a saída? Isso eu
também posso falar, porque é uma campanha do CNJ. Os níveis de feminicídio
estão envergonhando o Brasil. É algo que precisa de uma solução de todos:
Executivo, Legislativo, Judiciário, escola, imprensa. O Correio
Braziliense faz um papel fantástico na questão do feminicídio, de ouvir
especialistas, de divulgar o que deve ser divulgado, que é especialmente o que
acontece com aquela família. Depois, para que aquele homem que está pensando em
fazer isso, ele tem um momento de lucidez, de saber a desgraça que vem em
seguida.
O que fazer? No Poder Judiciário, creio ser
importante levar a ideia do aumento da pena, não do feminicídio. Porque, em
grande parte das situações, esse homem mata a mulher e se suicida. O direito
penal não alcança esse homem. Ele está morto. Não adianta eu aumentar essa
pena. A pena que nós temos que levar a sério é a do primeiro tapa, que é a
lesão corporal simples. Se José dá um tapa na sua esposa, Maria, na frente dos
filhos no jantar, esse tapa vai virar um murro, vai gerar um chute, uma esganadura,
um soco, um tiro. Em quase todos os casos. É só uma questão de tempo. Não tem
segunda chance.
Forma-se uma espiral de violência. Estatisticamente, o homem não vai melhorar. Estatisticamente, essa relação não vai ser saudável. Então, qual é a pena que a gente precisa aumentar e cumprir? É a do tapa na violência doméstica, porque ela vai evoluir. É preciso que, desde o início, a polícia aja com seriedade. É preciso que o juiz aplique o rigor da lei. É preciso que esse homem use a sua tornozeleira. É preciso que essa mulher tenha um botão do pânico para quando ele se aproximar. Ora, mas vai prender porque o homem gritou? Não, não vou prender. Mas o delegado pode ser um pouco mais incisivo. A audiência de custódia pode ser um pouco mais dura, e o juiz pode aplicar uma penalidade diversa e exigir que ele use a tornozeleira. Nós temos que olhar, com o Judiciário, com maior rigor para o começo da escalada de violência contra a mulher, e não o fim. Tratar o fim não vai resolvenada.
Qual a sua opinião sobre a população carcerária do
Brasil? O Brasil só perde para a Indonésia em ritmo de aprisionamento. Nós
vamos virar a década prendendo cada dia mais, e não resolve. Eu tenho essa
firme convicção de que cadeia não reabilita ninguém. Fiz muita inspeção em
presídios — na OAB, a gente chama de institutos. A gente prova comida, vê
onde dorme, vê qual é o sistema de saúde que atende esse interno — a gente
não chama de preso, a gente respeita a pessoa que está lá. A nossa
Constituição não tem pena perpétua nem de morte. Cedo ou tarde a pessoa vai
sair. E que pessoa a gente está colocando no sistema, na nossa sociedade?
O que precisa ser feito então? Eu acredito
muito nos mutirões do sistema carcerário. O ministro Gilmar (Mendes) fez, o
ministro Lewandowski fez. Existem pessoas que estão presas lá, que já cumpriram
a pena delas. Eu não estou nem falando: ah, vai soltar bandido. Não. Para o
sistema penal, essa pessoa já cumpriu o que ela tinha para cumprir. Sou muito
favorável a que a gente consiga tirar de lá de dentro quem já cumpriu sua pena
e os presos provisórios. É um absurdo você saber que metade dos presos brasileiros
nem sequer foram julgados. Em grande medida porque não têm advogado, não têm
defensor público.
É preciso enxergar o problema de outra forma,
então. É preciso enfrentar essa questão no Brasil verdadeiramente, de
aceitar que as pessoas que estão ali não são todas iguais. Não são todas que
merecem estar ali. Muitas estão ali por falta de oportunidade de julgamento.
Isso é muito vivo em quem frequenta estabelecimento prisional. Se você for
realmente visitar um estabelecimento prisional, seus conceitos vão mudar. Quem
acha que lá dentro só tem bandido e que todos deveriam eventualmente morrer,
precisa ir a um estabelecimento prisional. Passar um dia lá. Vá com a sua
igreja, vá com a universidade. Todas as universidades fazem serviços de
assistência judiciária. Vá com a OAB, com a Vara de Execução Penal.
Desencarcerar é a solução? Daria para mudar o
sistema, como fizemos na época da pandemia. Veio essa determinação do CNJ de
evitar ao máximo o encarceramento. Só quem realmente precisava ir preso podia
ir preso, e quem não precisava estar lá podia pedir habeas corpus que ia sair,
como de fato muita gente saiu. E a criminalidade no Brasil não aumentou, não
aumentou nenhum crime, nem contra o patrimônio, nem contra a vida, com a
libertação, ou a falta de prisão dessas pessoas. Ficou cientificamente
comprovado: encarcerar pessoas não é a solução.
Por quê? Você está criando um problema. Nós
temos presídios que chegam a custar 7 mil reais/mês por interno. É um custo
imenso para a sociedade, para gerar uma faculdade do crime. Quem entra ruim sai
péssimo, quem entra péssimo sai pior ainda e quem entra, às vezes, é inocente.
Nós tivemos há 15 dias a libertação de um jardineiro que ficou 15 anos preso e
ele era inocente. Nós temos pessoas ali que, se tivessem tido acesso a um
sistema de justiça justo, não estariam ali. É a questão, especialmente do
tráfico de drogas, que o juiz determina qual é a quantidade que é considerada
tráfico. E a gente vai parar novamente no perfilamento racial.
Qual é a relação entre prisão e racismo? Um jovem branco numa festa no Lago Sul, portando 50 gramas de alguma substância entorpecente, não tem no Judiciário o tratamento que um jovem negro da periferia tem portando 50 gramas de maconha, que é a mais leve das drogas. Cientificamente, os dois encontram caminhos muito diferentes no Judiciário. Um como porte, outro como tráfico. Um vai preso, o outro não é nem admoestado na delegacia. Isso realmente precisa ser encarado pelo conjunto da sociedade. Eu recomendo a todos, antes de me xingarem nos comentários, que visitem um estabelecimento prisional.