A desigualdade de gênero no Judiciário foi tema do CB.Poder — parceria
entre Correio e TV Brasília — de ontem. Aos jornalistas Carlos Alexandre de
Souza e Thays Martins, a juíza Gabriela Jardon, titular da 6ª Vara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), falou sobre o
cenário na Corte e a respeito da disparidade entre o número de mulheres que
cursam direito e a presença feminina na magistratura, que é bem menor.
A senhora tem um vasto estudo a respeito da igualdade de gênero no
Judiciário. Pode descrever essa situação do TJDFT em relação a essa
questão? Aqui no TJDF a gente acaba sendo retrato dos demais tribunais
estaduais, apesar de termos uma natureza híbrida, um tribunal estadual e
distrital. Mas, dentre, os tribunais do mesmo porte e que têm essa competência
estadual, o TJDF acaba reproduzindo as estatísticas conhecidas. Hoje, temos na
primeira instância por volta de 37% de mulheres desembargadoras e, na segunda
instância, 24%. São dados de 2022, que foram colhidos pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Esse é o nosso retrato. Existe no TJDF, como no país inteiro, em
todas as instâncias, em todos os tribunais, de todas as competências — com
exceção da Justiça do Trabalho, que tem uma situação particular e na segunda
instância eles já igualaram, têm 50% de participação feminina. Existe essa
desigualdade, que agora está em cheque.
As mulheres são maioria na população, nos cursos de direito e também na
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Por que essa disparidade? É uma estrutura super complexa,
patriarcal, de onde não infrequentemente deriva uma estrutura misógina. São
várias as barreiras. O que sabemos, por construção das ciências sociais e por
pesquisas como essas todas do CNJ, que estão baseando toda essa discussão, é
que as mulheres se perdem no encaminhamento para essas carreiras, muito devido
ao que chamaremos na academia de divisão sexual do trabalho doméstico. Seriam
os afazeres. O cuidado da vida humana ainda é super feminino. Estatisticamente,
é calculado que 98% do trabalho doméstico, hoje, no Brasil, seja feito por
mulheres, contratadas ou não. É muito alto. O trabalho com essa administração
da vida, dos filhos, dos idosos, das pessoas com deficiência, de todo mundo
ainda é majoritariamente entregue às mulheres. Como explicamos que nos cursos
de direito somos maioria (54%), mas o ingresso na magistratura cai para 37%?
Esses 17% onde estão? Alguns podem pensar que essa diferença é pouca. Não é
pouco, porque, se não há algo externo que está interferindo, a tendência é que
se reproduzam os mesmos percentuais, mas eles caem significativamente.
No início da carreira é comum os juízes recém-nomeados trabalharem em locais mais distantes. Aí, entram questões que não dizem respeito apenas à mulher, mas à família. Veja a entrevista Completa Vídeo ~~~~)
Qual é a mulher que dos 25 aos 35 — que é a faixa etária em que a gente
normalmente ingressa na carreira — vai ter esse suporte para poder não estar
cuidando da sua família? O início da carreira é um momento muito delicado
— em geral, quando a juíza está entre 25 e 35 anos — e numa fase, muitas vezes,
de consolidação da maternidade, do casamento.
E ainda tem responsabilidades em relação aos pais. Isso é levado em conta quando se discute a realidade da mulher no Judiciário? Indiretamente, sim. Em todas as instâncias isso foi discutido e acho que uma das primeiras coisas a serem faladas quando começamos a tentar entender esse fenômeno é: por que as mulheres estão em menor número? Essa particularidade da carreira certamente afasta as mulheres. Aí, você pensa: “mas as mulheres estarem tão encarregadas dos cuidados é um dado natural?”. Não, é um dado social, é uma construção social. Implementar a paridade no Judiciário vai fazer alguma coisa com isso que é tão maior que o Judiciário? Não diretamente, mas, com certeza, vai minando as bases de algo muito maior e que só é transformável com essas iniciativas à mão. Não tem como decretar que, a partir de agora, as famílias se dividam melhor. Não é assim que a coisa funciona.