A moça não é, como se dizia
antigamente, de forno e fogão. A mãe nunca chegou a queimar sutiãs, sair em
passeata e acender velas para Beth Friedan, mas abandonou os preceitos do Jornal
das Moças para educar as três filhas: nada de bordados, chuleios e
aulas de piano; nada de cozinha, muito menos de etiqueta para agradar marido.
Novinha, naquele início da
década de 1970, a moça aprendia a ser independente. Era o rompimento com toda
uma tradição conservadora – bom, nem tanto assim: a convicção católica reza que
a mulher deve obediência ao marido; tudo deve ser como era na Galileia.
Tirante esse detalhe, a moça
seguiu a vida com a bandeira da liberdade hasteada pela mãe, com a calada
aquiescência paterna. Ultimamente viu-se perdida. Havia sido alijada de uma
sociedade hedonista; e a parte mais visível dessa festa diz respeito ao paladar.
Há uma farra de Baco ao nosso
redor. Enólogos se multiplicaram como moscas, assim como os harmonizadores de
sabores; as receitas ousam ao limite, carnes ganharam novas gradações de
cozimento, as sobremesas têm status de prato principal.
E basta ligar a televisão para
assistir a um programa culinário. Nada de novo: a Edna Savaget fazia isso ainda
no tempo do rádio valvulado, passou pela Palmirinha e a Ana Maria Braga
continuou a toada e, desconfio, com mesmo figurino.
Mas hoje há uma variedade
indigesta: competições onde chefs são humilhados ao nível de um recruta do
Bope, programa com um sujeito que come qualquer nojeira, outro de receitas
impossíveis (não há ingredientes a disposição) e até especializados em doce.
Esses programas criam a falsa
ilusão de que cozinhar é para todos. E ai de nós, cobaias. Consumidores diários
de semancol, não vão na onda, mas são levados de jacaré por amigos que
acreditam que são chefs diplomados pelo único fato de não terem perdido um
episódio de The Taste, da Cozinha Caseira da Annabel ou
de Receitas do Chuck.
A moça em questão não gosta de
programas de culinária, mas não é de ficar por fora. Quando vai ao restaurante,
fica calada, espera as manifestações alheias, observa as reações aos primeiros
goles do vinho e se diverte com as considerações. Ela sabe que a maioria das
pessoas ali está fingindo, fazendo pose. Mas acabou fisgada.
E pensou: eu também posso.
Resolveu fazer um risoto. Comprou arroz carnaroli importado, escolheu um salsão
tenro para o molho e camarões médios rosados para compor o prato. Tudo de
qualidade superior como ela tinha ouvido na TV. Pôs avental, picou os ingredientes,
acendeu o fogão e começou a função.
O cheiro era convidativo. O
prato ficou pronto rapidamente; foi servido com queijo picorino ralado por cima
e um fio de azeite para levantar o sabor. Tudo conforme o moço falou. Ela pôs o
risoto da boca e fechou os olhos para reforçar o sentido do paladar. Engoliu.
Deu outra garfada. De soslaio, mirou o companheiro de mesa e vaticinou: – Esse
cozinheiro da TV é péssimo!