Só deu para ouvir o farfalhar das folhas e o barulho seco do impacto –
depois veio a dor na cabeça. Não deu para saber o que era, de onde veio e o
porquê daquela agressão; não ficou galo, mas doeu e o meu amigo, ainda
atordoado, procurava o responsável quando notou a manga ainda rolando pela
grama.
Começou aquela época do ano que, além de olhar para os lados e se
prevenir de motoqueiros que têm de entregar comida quente, também é
recomendável que se olhe para cima. As mangueiras espalhadas pela cidade –
calcula-se que são pelo menos 10 mil pés – estão prenhas e alguns frutos já
estão caindo.
Sofrem as capotas dos carros, como aconteceu num tradicional clube da
cidade bem recentemente, quando remadores voltaram do treino e encontraram as
marcas; e sofrem as pessoas que andam pelos gramados ou até se aboletam em
cadeirinhas sob as frondosas ramas, principalmente aos domingos, para fugir da
solama dos últimos dias. É um perigo.
Mas não é o único. Nesta mesma temporada o brasiliense se prepara para a
guerra e capricha na mira para jogar pedras, tocos ou o que tiver à mão,
tentando acertar e derrubar mangas. Newton ensinou que o que sobe desce; quando
acerta a manga, vêm o fruto e a pedra, quando erra, vem só a arma. De qualquer
jeito é melhor sair de baixo.
O perigo é ainda maior nas árvores próximas das pistas, com risco duplo
– para o atirador incauto de ser atropelado e para o dono do carro, que pode
ser alvejado.
Além das mangueiras, estão cheias as pitangueiras e amoreiras. Mas não
oferecem risco, são frutas pequenas; só que trazem pássaros para as árvores,
inclusive pombos que, como se sabe, parecem ter uma mira apurada na hora de
soltar excremento. Não dói, mas machuca a autoestima e suja a roupa (se o
sujeito der sorte).
As jaqueiras também estão apinhadas de frutos. Elas são em número bem
menor, uma vantagem porque o produto não é tão popular – doce de jaca mole
ainda tem seus fãs, mas o fruto em si não desperta muitas paixões. Mas são bem
mais seguros; o talo grosso, agarrado no tronco e nos ramos mais fortes não
deixe que elas caiam e como eu nunca vi fruta de árvore de rua apodrecer no pé.
Oferece sobra sem risco.
Em festa estão os passarinhos, desde a aurora trinando alto e acordando
as pessoas antes do galo. Não é para menos: além de comida farta, é época de
acasalamento – a felicidade só é interrompida durante os temporais, mas depois
é só sacudir as penas e voltar a cantar e a namorar.
As mangas ainda verdes também mudam hábitos. Fernando chegou no bar com
uma recém colhida, trazendo um saquinho com especiarias misturadas – pimenta do
reino branca, páprica, sal e ingredientes misteriosos – e pôs-se a descascar e
retalhas o fruto em camadas fininhas como um carpaccio. Jogou sua mistura por
cima, mexeu, pediu uma branquinha, estalou a língua e pôs tudo para dentro.
Está criado o mais novo tira-gosto vegano.