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Crônica: A derrocada da fofoca

A derrocada da fofoca

E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde que positivas – aparentemente energizam os mais discretos, como se o acúmulo de boas informações alimentasse o caráter. É uma paulada na incontinência verbal dos fofoqueiros.

Vivemos um tempo em que não há mais segredo. O fuxico, sabe-se, é uma daquelas coisas que separa o homem dos animais; se acompanhado de cochichos é ainda mais cruel. Machado de Assis exercitou a fraqueza com minúcias em Dom Casmurro, quando o narrador faz insinuações sobre a reputação de Capitu – e até hoje cabe discussão: houve ou não a pérfida traição?

Eça de Queirós também criou um fofoqueiro maldoso, João, que em O Crime do Padre Amaro, publica no jornal o artigo Os Modernos Fariseus, acusando o clérigo de tentar quebrar o celibato com Amélia, noiva dele. No decorrer da obra, descobrimos – também vestindo roupa de fuxiqueiros – que não era apenas uma desconfiança; ela aparece grávida. Do padre.

O cordel é pródigo em candinhas, caso do Barbeiro Fofoqueiro, do Trovador Hildemar Costa: “Na língua desse elemento/ Ninguém vale um tostão/ A moça era sem virtude/ O homem sempre um ladrão/ Até mulher casada/ Entrava como safada/ Na sua concepção”, narra ele, comparando o barbeiro a um vassalo de Lúcifer.

A vida real é repleta de maledicentes; todo mundo tem uma tia ou um conhecido que se mete na vida alheia. Dizem que faz parte do caráter humano, quando vários pecadilhos se unem num comentário feito só para espezinhar. E o sucesso desse tal jornalismo de celebridades mostra há muitos leitores para coscuvilhices.

Ultimamente surgiu a variedade da autofofoca, detração que a própria pessoa promove contra si, como o caso da moça que fez sexo com anão e botou o filho para gravar a cena e o violento que diz que gosta de ver a esposa transando com outro; enfim, pessoas que não apenas não escondem nada, como fazem propaganda do que seria inconfessável.

Mas se a futrica prejudica, o periódico científico The Journal of Personality and Social Psychology sustenta que pessoas que receberam notícias boas e não passaram para frente se sentiram energizadas, felizes. A conclusão do estudo é que esses discretos cidadãos gostaram de participar, mesmo lateralmente, de uma ação.

O que eu, leigo e ignorante, não sabia, é que existe uma ciência do segredo, um ramo da psicologia que estuda, nos recônditos da mente humana, aquilo que ninguém deveria saber. E assim foi descoberto que quem mantém informações para si por desejo próprio, impedindo o verme que impulsiona a intriga saia, tem benefícios.

Ao contrário, quem guarda um segredo negativo – uma mentira, por exemplo – tende a prejudicar a saúde. Haveria uma corrosão interna provocada pela dúvida, mas nenhum psicólogo se atreve a recomendar que se passe a inconfidência ruim adiante. E agora?

Quando quebrado, esses psicólogos garantem que o bom sigilo dá o mesmo prazer que oferecer um presente a uma pessoa querida, inclusive com a possibilidade de ser embrulhado e entregue no melhor momento. O fato é que, para quem se mete na vida alheia, está cada dia mais difícil ser feliz.


Paulo Pestana – Correio Braziliense




 

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