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Um hoje para as memórias

Um hoje para as memórias

Entre as caixas da mudança, aparece uma preciosidade cuidadosamente guardada em uma pasta com plásticos. Lá estão várias cartas, de ministros, governadores, senadores, deputados, amigos, parentes e uma carta do ex-presidente da República, concretizador de Brasília, Juscelino Kubistchek.

Foi enviada quando o jornalista Ari Cunha respondia por um processo pesado no Superior Tribunal Militar, por ter registrado a tortura de uma mulher grávida nesta coluna.

No alvoroço do momento, desespero de alguns e alegria de outros, o maior exército a se convocar em momentos como esse é a família. Mas não houve necessidade de convocação. Espontaneamente chegavam parentes do Ceará, Rio de Janeiro e Paraná. Em todo o sofrimento, ainda é possível ter olhos para ver o lado positivo do acontecimento. Toda a família unida pelo propósito de proteger um, e tantos outros inocentes que sofriam naquele momento.

As irmãs e esposa em oração todo o tempo. Os filhos apontados na escola entre cochichos de pais dos colegas. Dona Lourdes dizia que os “dedos das mãos eram muitos para contar os amigos que tiveram coragem de se aproximar do jornalista para dar apoio.”

Como caçula, com 11 anos à época, tentava compreender o que se passava. Não podia ver um papel em cima da mesa que lia. Nada escapava à busca de entendimento: cartas, documentos, manuscritos. A curiosidade era tanta que fui enviada para Nova Jersey para passar alguns meses longe daquele clima.

Ari Cunha sofreu tanto à época que apenas uma afta o deixou calado. Ela lhe ocupava toda a boca. Lourdes, que era enfermeira, preparava um shake salgado para dar de almoço, a cada gole, lágrimas escorriam pelo rosto do jornalista.

Mas as orações começaram a dar resultado. O responsável pela promotoria conseguiu um emprego bem melhor e foi para outra jurisdição. O advogado pioneiro, Celio Silva, brilhante no processo, trouxe, depois de um tempo que durou quase uma eternidade, a paz à família. Esse é um breve contexto do momento quando chegou a carta que vocês lerão a seguir. A foto da carta está logo a seguir. Peço aos revisores que mantenham a gramática da época. BH, 30.09.72  

Meu caro Ari Cunha,

Kafka, o sombrio e notável escritor tcheko, desaparecido em 1924, escreveu um romance trágico, o Processo, no qual o personagem central era meu homônimo, pois se chamava JK. O crime imaginário que lhe imputaram truxe-lhe taes torturas moraes que, ao fim de alguns anos ele sucumbiu, vítima de um terrível nervous breakdown que o levou ao suicídio.

Eu, pilherando, digo: si eu não tivesse nervos que se assemelhassem a fios de aço, não possuísse um estomago de avestruz que digere blocos de pedra e não me ornasse o peito um coração do arcanjo S. Miguel, não teria resistido às investidas que Kafka idealizou em 1924 e que me parece foram copiadas do memorável romance do autor tcheko.

Lendo os jornaes, vi que chegou a sua hora de entrar na galeria sombria de Kafka. Sei felizmente que a bravura, a generosidade e a paciência são virtudes que vivem dentro de você e graças as quaes poderá lutar contra a imaginação de Kafka, transfundida para o Novo Continente.

Tenho uma santa, ou um espírito, como quiser interpretar, que me ajuda a resolver os problemas grandes. Chama-se Julia Kubitschek – lhe mandei a minha mensagem implorando-lhe que ajude o mais sagaz, digo leal e bravo jornalista deste país. Com meus abraços, seu amigo de sempre, (Juscelino Kubitschek) - (Carta do ex-presidente JK ao jornalista Ari Cunha )

A frase que foi pronunciada: Ainda que o ódio, às vezes, tenha a característica de uma simbólica justiça, irreparável poderá ser o resultado do amargo sentimento. (Taw Ranon)

Estado: Na Câmara Legislativa, o secretário de Cultura do DF, Cláudio Abrantes, fez um comentário interessante dizendo que lamentava ver setores do Estado e da sociedade desaprovando investimentos na cultura. Uma capital importante como Brasília não ter, até hoje, um teatro decente, certamente não é julgamento da população. O Carnaval da cidade acontece graças ao esforço dos interessados nessa modalidade de cultura. Ano a ano, é preciso implorar por migalhas para poder fazer acontecer a alegria nas ruas. Investir em cultura é obrigação do Estado, ao povo cabe usufruir dessa riqueza.

Mais que justo: Embora uma escola boa para criança de 3 anos custe quase o valor de uma mensalidade na universidade, as professoras do ensino infantil são as mais mal pagas. Por isso, a Câmara dos Deputados recebeu, de especialistas, o pedido de um projeto de lei que preveja o pagamento do piso salarial nacional dos professores a essas profissionais.


Circe Cunha e Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” v- Ari Cunha – Fotos: Arquivo Pessoal - perfil oficial do artista no Youtube - Marcelo Camargo/Agência Brasil/Agência Brasil- Charge: humorpolitico.com.br – Correio Braziliense





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