Chegara a vez do homem de
chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha uma vermelhidão lustrosa; havia
rugas precoces que denunciavam uma vida dura, provavelmente no campo. Mas ele
parecia feliz quando o tabelião perguntou o nome do filho que iria registrar.
– Elesbão – disse ele,
prontamente. O sobrenome eu não ouvi e parece que nem o tabelião ouviu; tanto
que perguntou novamente o nome pouco usual. O homem, resoluto, repetiu.
Os mais literais poderiam
reclamar que Elesbão é o nome de um imperador etíope que distribuiu suas
riquezas e virou santo, o favorito dos escravos do Brasil colonial. Era,
portanto, um negro.
Hoje, Santo Elesbão – protetor
dos perigos do mar – anda meio esquecido, mas não deveria ter causado tanta
estranheza no tabelião, que certamente ouviu coisas piores.
O homem de chapéu ainda se deu
ao trabalho de dizer que tinha escolhido o nome de Elesbão porque queria que o
filho fosse advogado. Se a gente for pensar bem, procede. Um menino batizado
como Theophilo ou Austragésilo, por exemplo, tem obrigação de ser advogado – é
fado.
Da mesma forma, todo Epaminondas
deveria ser pharmacêutico e os Bartholomeus deveriam usar hirsutos bigodes,
polainas e pincenês. Do lado das moças, as Hermildes deveriam usar óculos e
aprender crochê desde bebê e as Ondinas deveriam ser servidas por mamadeiras de
louça portuguesa.
As vezes dá errado. Um amigo pôs
o nome do filho de Patrocínio, imaginando que ele fosse ser advogado, iniciando
uma carreira que o levasse a uma cadeira de juiz. E também queria um nome
pomposo, que não desse margem a apelidos. Não deu certo: desde os três anos,
quando foi para a escola, ganhou o codinome de Pato. E virou arquiteto.
Outros pais deveriam ser levados
ao psiquiatra antes de irem ao cartório. O que estaria passando na cabeça do
pai de Amim Amou Amado na hora do registro? Ou na do responsável por Agrícola
Beterrada Alheia? E porque um nenezinho é batizado como Amável Pinto?
Alguns tabeliões também deveriam
estar presos por bullying ao registrar bebês – sim, inocentes e rechonchudos
bebês – como Comigo É Nove Na Garrucha Trouxada, Epílogo de Campos, Jaspion
Brasileiro Dantas Garcia, Lança Perfume Rodometálico de Andrade ou Restos
Mortais de Catarina – todos nomes reais.
Também é preciso lembrar dos
bebês batizados com união dos nomes dos pais, o que certamente contribui muito
para a delinquência juvenil. Mas há casais que levam a união ao extremo como os
que batizaram o menino Produto do Amor Conjugal de Maruchá e Maribel ou a
menina Última Delícia do Casal Carvalho.
O pai do futuro advogado
Elesbão, portanto, só quis o melhor para o filho. Mostrou a foto para todos; um
bebê tão avermelhado quanto ele. Não sei o final da história, que aconteceu faz
tempo, mas torço para que o pequeno Elesbão tenha cumprido seu destino de
causídico, ou que pelo menos seja feliz. Só lembro que, quando chegou a minha
vez, deu para ver a cara de tédio do tabelião ao ouvir o nome do meu filho a
ser registrado: Rafael. E sem ph.
Vou esperar virar filme ...
ResponderExcluir