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Crônica: O espírito nas árvores

O espírito nas árvores

A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as copas de amarelo, em contraste com o verde das folhas – bem diferentes dos ipês, que perdem a ramagem durante e depois da floração.

Outra diferença é que a florada dura bem mais tempo do que a efêmera semana anual dos ipês de todas as cores – o cambuí fica colorido por mais de 60 dias.

Mas a confusão não acaba aí. São várias as espécies de plantas chamadas de cambuís, inclusive uma outra que está espalhada pela cidade, mas com flores brancas, frutos comestíveis que atraem passarinhos e madeira muito dura, usada para fazer cabo de martelo e de enxada. Mas a hora é dos cambuís de flores amarelas.

E o resultado aparece por todos os cantos, trazendo cor para contrastar com o concreto dos monumentos, palácios e prédios que são a marca de Brasília.

Melhor que os cambuís não oferecem o perigo das mangueiras, que soltam seus frutos na cabeça dos incautos e sobre as capotas dos carros. Mas é bom ficar esperto quando buscar uma sombra para fugir da canícula; os galhos mais altos são frágeis e a gravidade faz o estrago.

A beleza não esconde qualquer fragilidade. Não é árvore débil; ao contrário, a madeira dos troncos e dos galhos mais grossos, é usada para fazer de móveis a vigas para construção, de carrocerias a dormentes de trilhos. Também conhecida como canafístula ou barbatimão.

Os cambuís de flor amarela preferem os solos argilosos de matas ciliares – a árvore é natural da Mata Atlântica –, mas se deram muito bem na aridez brasiliense, crescendo frondosos por todas as regiões, tanto que a Novacap, empresa que cuida dos jardins da capital, plantou pelo menos 350 mil pés da árvore, que pode chegar a 25 metros de altura. A empresa tem mais 150 mil mudas da espécie prontas para serem plantadas.

O importante é que a cidade se enche de cor, um contraste com anos idos em que a poeira encardia os tornozelos e só havia tons de marrom à vista. A cidade jardim imaginada por Lúcio Costa viceja. E janeiro começa as cores de jenipapos, magnólias, ingás e outras florações

Depois que o amarelo dos cambuís deixar a paisagem, no final de fevereiro, será a vez do rosado nas mais de 150 mil paineiras – também conhecida como barriguda – espalhadas por todo o DF. Terão a companhia de jambolões, pombeiros e araticum, entre outras árvores floridas.

E assim as flores vão se sucedendo, aliviando a paisagem dos passageiros da cidade. São mais de seis milhões árvores já plantadas, muitas ainda em fase de crescimento, algumas resistentes à seca inclemente, outras sobreviventes aos temporais seguidos de ventanias, garantindo um ano inteiro de cores.

Por algum motivo os antigos adoravam plantas, especialmente árvores, que abrigavam, diziam eles, espíritos de toda laia; na Índia, eram cruéis, na Suiça, traiçoeiros, na Finlândia, bons. De qualquer modo, cada florada é uma fase de renovação não apenas para as plantas, mas principalmente para cada um de nós, que vivemos de respirar, mas que também precisamos de alguma beleza


Paulo Pestana – Correio Braziliense 


 

 

 

 

 

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