O
pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para que apoiadores não levem
cartazes na manifestação do dia 25 sugere que o ex-mandatário adotará cautela
em criticar o Supremo Tribunal Federal (STF), com destaque para o ministro
Alexandre de Moraes. Para além das complicações políticas, o ex-mandatário quer
evitar problemas jurídicos.
“Não
compareçam com qualquer cartaz ou faixa contra quem quer que seja”, disse
Bolsonaro no vídeo publicado nas redes sociais nesta segunda-feira (12), ao
chamar apoiadores para o ato. A convocação ocorre após o ex-presidente ser alvo
da operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, que investiga uma suposta
tentativa de golpe de Estado. Nesta sexta-feira (16), o ex-presidente reforçou
o pedido em novo vídeo publicado no "X" (antigo Twitter).
"Colaborem
conosco, é uma grande fotografia, um momento ímpar para mostrarmos para o mundo
– de verde e amarelo, sem faixas e cartazes – o que nós queremos, que é Deus,
Pátria, Família e Liberdade", disse Bolsonaro.
O
pedido segue na contramão das manifestações convocadas pelo ex-presidente em
2022, quando não havia qualquer pedido em relação ao comportamento dos
manifestantes. O objetivo é evitar que o ato do dia 25 tenha cartazes que
possam ser considerados "antidemocráticos", como pedidos de
fechamento do STF ou contra magistrados, ou ainda de intervenção militar, como
ocorreu em manifestações anteriores.
Nos
bastidores do entorno de Bolsonaro, o entendimento é não dar mais pretextos
para a "radicalização do judiciário", ou seja, novas ordens de prisão
vindas de Moraes. Na Tempus Veritatis, foram presos Filipe Martins, ex-assessor
de assuntos internacionais de Bolsonaro; o coronel do Exército e ex-assessor de
Bolsonaro, Marcelo Câmara; e o major das Forças Especiais do Exército, Rafael
Martins.
Na
avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte,
o ex-presidente almeja, com o ato na Paulista, marcar posição em meio ao
desgaste causado pela operação. Por outro lado, deseja fazer isso de forma que
não afete o STF.
“Esse
movimento mostra que ele está tirando qualquer responsabilidade por alguma ação
judicial que possa acontecer. Acredito que se dependesse dos advogados do
Bolsonaro não haveria manifestação nenhuma, mas é uma questão que está com um
contorno político muito forte. O Bolsonaro viu que o momento é bom para a
manifestação. A última pesquisa da AtlasIntel mostrou que 47% dos brasileiros
acham que estão vivendo uma ditadura do judiciário”, disse Cerqueira.
Ele
também ressaltou que o clima de uma possível prisão do ex-presidente aliada a
presença de figuras importantes, como o governador Tarcísio Gomes de Freitas,
de São Paulo, pode contribuir para que Bolsonaro saia fortalecido.
“Penso
que é o momento do Bolsonaro reagir. Há a ideia de que ele pode ser preso a
qualquer momento. Uma manifestação de força como essa, caso ocorra, é sempre um
ingrediente a ser pensado por parte de quem está querendo fazer isso. Lembrando
que muitos deputados já anunciaram presença e o próprio governador de São Paulo
também. Isso é bom para o Bolsonaro porque mostra uma adesão de políticos mais
institucionalizados, ao mesmo tempo que serve de garantia para aqueles
manifestantes que têm medo de que essa manifestação seja um novo 8 de janeiro”,
acrescentou.
O
que poderia gerar problemas: A cautela de Bolsonaro leva em consideração
que o STF, em especial o ministro Alexandre de Moraes, tem adotado uma postura
punitivista no julgamento dos réus do 8 de Janeiro, inclusive em relação aos
que apenas estavam acampados em frente ao quartel do Exército em Brasília.
Estes estão sendo condenados por “incitar, publicamente, a prática de crime”,
enquanto os que invadiram as sedes dos Três Poderes estão sendo condenados – a
maioria dos que foram julgados até agora – também por abolição violenta do
Estado Democrático de Direito e golpe.
Na
leitura do advogado Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Alagoas, a Constituição
Federal garante o direito de manifestação, sendo proibido por lei os casos em
que há expresso pedido de extinção das instituições democráticas.
“A
liberdade de expressão e liberdade de manifestação são direitos fundamentais
garantidos pela Constituição de 1988, podendo qualquer cidadão levar cartazes
com reivindicações e, inclusive, críticas às instituições ou aos agentes
públicos. Isso é da essência da democracia. O que não se pode, porque proibida
por lei, é a manifestação que vise o fechamento das instituições democráticas,
o pedido de intervenção das Forças Armadas no processo político (golpe de
Estado) e ataques verbais que sejam considerados crimes independentemente da
manifestação (racismo, homofobia, agressão à honra, etc)”, opina o advogado.
Costa
também afirmou que a população não pode ser impedida de se manifestar e que o
pedido feito por Bolsonaro em relação aos cartazes é uma orientação explícita
para que não ocorram excessos no ato em defesa do ex-presidente.
“A
democracia sem manifestação popular seria uma contradição em termos. Por isso,
a Constituição protege essas liberdades públicas de modo eloquente. E as
pessoas não podem ter medo ou ser cerceadas em seus direitos políticos. Há
sempre risco de infiltrados ou aloprados, com manifestações ilegais. Mas cada
um responderá por si e por seus atos, ainda mais diante da clara orientação
dada pelo ex-presidente para os seus apoiadores”, acrescentou.
Já
para o advogado constitucionalista André Marsiglia, nenhuma das acusações que
estão sendo feitas contra os réus do 8 de janeiro – seja a de abolição do
Estado Democrático de Direito ou da incitação ao crime – podem servir para
punir manifestações que possam ofender o Supremo ou demais instituições.
"Pedir
ou ser favorável a algo é a expressão de uma opinião particular que, em razão
do direito constitucional de reunião, pode ser exposta em público. Incitar é
contribuir decisivamente para uma ação concreta por meio de manifestação. Quem
carrega um cartaz pedindo a monarquia, dizendo “fora presidente” ou pedindo
intervenção não contribui para ação concreta alguma, apenas expressa seu
direito de opinião", disse.
Ele
acrescentou: "O próprio STF já decidiu, ao considerar constitucional a
'marcha da maconha' em 2011, que mesmo manifestações em favor de algo ilícito
não são consideradas incitação ou apologia ao crime". (Bolsonaro não
comete crime ao participar de manifestação e ato é constitucional)
Ao
criticar a convocação feita por Bolsonaro, a presidente do PT, a deputada
federal Gleisi Hoffmann, afirmou que “não há legitimidade” no evento. Além
disso, analistas jurídicos de esquerda espalham pelas redes sociais a teoria de
que o ex-presidente estaria cometendo crime ao promover o ato. A linha de
raciocínio é que haveria possibilidade de prisão preventiva do ex-mandatário
por realizar um evento que pode causar atrito entre as instituição.
Respondendo
a essa questão, Costa afirma que Bolsonaro não está impedido de exercer seus
direitos civis, como convocar manifestações ou se expressar livremente.
“O
ex-presidente Jair Bolsonaro está de posse de todos os seus direitos políticos
ativos (inelegibilidade é direito político passivo), podendo exercer livremente
todas as faculdades inerentes à cidadania: liberdade de manifestação, liberdade
de expressão, sem qualquer impedimento ou risco em face de investigações – não
há sequer processo – a que está submetido”, disse o advogado.
E
acrescentou: “As únicas restrições que possui como investigado são aquelas que
constam em decisão do ministro Alexandre de Moraes: apreensão de passaporte e
de contato com determinadas pessoas do seu ciclo pessoal, também elas
investigadas no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos.”