A
grande maioria dos jornalistas brasileiros, mesmo os que não lidam com o
noticiário político, arrumou um problema: obrigaram a si próprios, e por sua
livre e espontânea vantagem, a dizer todos os dias para o público que o
ex-presidente Jair Bolsonaro vai ser condenado e preso por “golpe de Estado”.
Não havia a menor necessidade de se meterem nisso.
O
Supremo Tribunal Federal, pelo que dizem e fazem os ministros-chefes, já
decidiu condenar o ex-presidente, seja lá o que ele tenha feito ou deixado de
fazer. A célula do PT em que se transformou a Polícia Federal, ao mesmo tempo,
passou a operar como uma linha de montagem na produção das provas encomendadas
pelos juízes do caso; tudo serve, tudo é “prova”. Mas isso é o projeto deles, e
não dos jornalistas. Passou a ser um projeto de todos.
Cada
notícia é uma “prova” a mais; podem acabar dizendo, um dia desses, que a PF vê
“mais um elo do golpe” no caso da baleia que o ex-presidente é acusado de
assediar.
Jornalistas
profissionais não têm projetos. Têm a função de mostrar os fatos para o
público, tais como eles se apresentam, e de oferecer alternativas sobre o seu
possível significado. Não foi isso o que aconteceu até agora. Em vez de dizer
aos leitores e ouvintes que as alegações da polícia são o que realmente são –
alegações da polícia – disseram que são “provas”.
Agora,
para sustentar o que disseram ontem, e anteontem, e desde o primeiro dia,
publicam como fatos consumados, líquidos e certos, qualquer coisa que a polícia
conta para eles. Vai tudo, é claro, exatamente para onde a PF e o STF querem.
Virou uma espécie de manchete única: “Investigações fornecem mais uma prova que
Bolsonaro deu o golpe”. Que “prova”? Qualquer coisa. A última é um certificado
de vacina que não foi tomada e não foi mostrada a ninguém. Vacina e golpe –
tudo a ver, para a mídia.
Salvo
uma ou outra exceção, não houve até agora a preocupação de publicar exatamente
o que disseram as testemunhas de “acusação” ou os “delatores premiados” que a
polícia ouviu. Em vez disso, publica-se: “Novo depoimento traz mais provas do
golpe” e “enterra Bolsonaro de vez”. Não é exagero; é o que a imprensa diz
todos os dias.
Não
se entrevista advogados criminalistas experientes a respeito da validade ou da
qualidade técnica de qualquer dessas “provas”. A Gazeta do Povo, a propósito, é
possivelmente o único veículo diário que usa a expressão “suposto golpe” ao
tratar do assunto no seu noticiário político – a única conduta profissional a
tomar diante de um golpe cuja característica mais evidente é o fato de que
nunca foi dado.
Os
jornalistas poderiam ter tido o cuidado elementar de publicar o que o coronel
Mauro Cid realmente disse em sua “delação premiada”, nem mais e nem menos – as
suas palavras, tais como foram ditas, e não o que a polícia achou que ele
disse. Esse depoimento foi o ponto de partida das acusações de golpe, e a maior
parte da imprensa, já aí, tomou o seu lado. “Delação de Cid vai levar Bolsonaro
à prisão”, disseram – e continuam dizendo até hoje.
Acham
que agora não dá mais para passar essa história a limpo, e a única opção que
veem é dobrar a aposta a cada notícia. Cada notícia é uma “prova” a mais; podem
acabar dizendo, um dia desses, que a PF vê “mais um elo do golpe” no caso da
baleia que o ex-presidente é acusado de assediar em São Paulo. É um momento
ruim.