Ser
filha de um grande brasileiro — de um tempo com exuberâncias, realizações
e intempéries — sempre me trouxe um misto de contentamento, apreensão e um
justo orgulho. O ex-presidente Juscelino Kubitschek, meu pai, teve a coragem
exuberante e a determinação poética de construir Brasília, a nossa capital no
Planalto Central. Um sonho que acompanhou nosso debate político ainda no
século 18 e que se estabeleceu na República.
Hoje
sabemos que a proposta de edificar uma nova capital no interior do Brasil
existia na Corte portuguesa, com Marquês de Pombal. E, no século 18, pelos
Inconfidentes. O patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva também trouxe o
tema para a Constituinte de 1823. Mas a ideia tomaria forma e decisão política
na Constituição republicana de 1891. Portanto, construir Brasília não surgiu
com Juscelino. Tanto quanto um sonho constitucional era também um sonho
geopolítico de nação.
A
Constituição de 1934, no artigo quarto das Disposições Transitórias, deixou
claro: "Será transferida a Capital da União para um ponto central do
Brasil". O mesmo sonho foi registrado com destaque pela Constituição de
1946, justamente pelo deputado federal e constituinte, Juscelino Kubitschek,
que alertou os constituintes para a manutenção deste artigo.
Um
sonho que meu pai soube acalentar, carregar no brilho dos seus olhos, na
consistência dos seus gestos e no pulsar do seu coração, que existe pelo
Brasil. Sim, e no seu sorriso cativante que chegava aos brasileiros como uma
suave sinfonia de convocação. Não raro, sempre que vou ao Memorial JK, visita
que não descarto de fazer todas as vezes que vou a Brasília, essas lembranças e
sentimentos difusos acolhem e acalmam a minha alma. Ao mesmo tempo, no silêncio
íntimo, a bênção de ser sua filha, percebo que JK foi e continua sendo amado
pela grande maioria dos seus compatriotas. O seu lugar na história é exemplar e
intocável.
Na
semana passada, fui surpreendida por uma manifestação do meu amigo querido e
excelente jornalista Silvestre Gorgulho. "O que a Câmara Legislativa está
fazendo é ofender a história, a memória do DF e do Brasil", denunciou o
ex-secretário de Estado de Cultura do Distrito Federal na coluna do Correio
Brasiliense, assinada por Ana Maria Campos.
Naquele
momento, Silvestre Gorgulho, com sua admirável coragem e zelo pela história da
nossa cidade, se insurgiu contra a anunciada Sessão Solene que pretendia
celebrar os supostos 60 anos do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito
Federal (IHG_DF), quando, na verdade, deveríamos celebrar os 64 anos de sua
criação.
O
IHG-DF, como consta no Diário Oficial, foi criado por JK em 8 de dezembro
de 1960 — Dia do Culto à Justiça. Naquela tarde, um grupo de notáveis reuniu-se
no Brasília Palace Hotel, para dar início à organização formal desse espaço
clássico da nossa Memória.
Em
1962, numa reunião similar, seu primeiro presidente era eleito: o ex-ministro
do Trabalho, Júlio Barata. Assinaram a Ata, nomes como Israel Pinheiro, Paulo
Tarso Santos, Tancredo Neves, Oswaldo Aranha, Lucio Costa, Cassiano Ricardo,
Gilberto Freire, o escritor francês André Malraux, entre outros.
O
rompimento institucional em 1964, a destituição de João Goulart, as
perseguições a JK, sua posterior cassação e exílio, são fatos por demais
conhecidos e objetos de justo esclarecimento, reflexão e análise da nossa
academia e estudiosos.
O
que nos surpreende é que o resgate da verdade e da história não tenha sido
feito na sua devida dimensão. É possível que a primeira ofensa à nossa cidade e
a JK, então patrocinada por alguns, tenha sido a "criação" de
um instituto em 3 de junho de 1964, dois meses apenas após a destituição
do ex-presidente João Goulart.
Sabemos
que nos anos tensos que se seguiram, brasileiros e brasilienses honrados e
dignos, presidiram e ingressaram como membros do nosso IHG-DF. Ninguém
representa melhor a tentativa permanente desse resgate do que o saudoso coronel
Affonso Heliodoro, amigo e aliado incondicional de JK, e que dirigiu por um
longo período o Instituto. Entretanto, se nos dias de hoje, dentro de uma
instituição tão nobre como a Câmara Legislativa, alguém tentou mudar essa data
e a História, é porque algo permanece errado.
Sei
muito bem que um amigo, o escritor Paulo Castelo Branco, autor do livro A morte
de JK (1997), que preside hoje o IHG-DF, está fazendo jus à sua alma de
intelectual e honradez para resgatar a História e restabelecer a verdade.
Outra
verdade que poucos sabem. Quando houve a tentativa de golpe, em 11 de novembro
de 1955, para impedir a posse de JK, a obstinação de meu pai por Brasília era
tanta que ele deixou redigido um decreto da criação de Brasília, pensando
"podem me derrubar, mas pelo menos cumpri minha palavra".