Nos
dias 26, 27 e 28, Portugal recebe o 12º Fórum Jurídico de Lisboa, popularmente
apelidado de "Gilmarpalooza". Com um público esperado de cerca de 2
mil pessoas e a participação da maioria dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) e de vários do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o evento reflete a crescente tendência da cúpula do
Judiciário brasileiro de busca por protagonismo e status na esfera pública.
A
reunião, que fica maior a cada ano, é organizada pelo Instituto Brasileiro de
Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) – fundado pelo ministro do Supremo
Gilmar Mendes –, pela Universidade de Lisboa e pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Contará, em 2024, com a participação de diversos ministros do governo
Lula e de alguns governadores – como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São
Paulo, e Ronaldo Caiado (União), de Goiás –, prefeitos e parlamentares. Será a
maior reunião de autoridades brasileiras fora do país na história.
Cinco
ministros do STF darão palestras, de acordo com a programação do evento. O
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, falará em uma exposição com o tema
"Inteligência Artificial e governança: Riscos éticos, econômicos e
eleitorais", enquanto o ministro Alexandre de Moraes abordará "O
mundo em eleições e o futuro da democracia representativa". Cristiano
Zanin, Dias Toffoli e Flávio Dino também comandarão palestras.
Embora
o evento em si seja oficialmente custeado pelas próprias instituições que o
organizam, vários participantes viajam com dinheiro público. No ano passado,
por exemplo, as passagens aéreas, as diárias em hotéis e os voos em jatinho dos
servidores públicos que participaram supuseram um gasto de pelo menos R$ 2,5
milhões. Não foram incluídos nesse valor os gastos dos ministros do Supremo, já
que as despesas deles com a viagem estão sob sigilo.
A
falta de transparência é, aliás, uma marca das excursões e agendas de ministros
no Brasil e no exterior, como mostrou recentemente uma reportagem da Gazeta do
Povo. Nas últimas semanas, as despesas geradas por viagens da cúpula do
Judiciário brasileiro – muitas vezes custeadas por recursos públicos – têm
sido alvo de escrutínio na imprensa e nas redes sociais.
As
viagens em abril e maio à Europa, por exemplo, foram envoltas em mistério, com
jornalistas sendo barrados no 1º Fórum Jurídico Brasil Ideias, em Londres,
promovido pelo Grupo Voto. Também tem causado controvérsia a autocomplacência
de alguns ministros às custas da União, como no caso da ida de Toffoli à final
da Champions League, em Londres, acompanhado de um segurança cujas diárias
supuseram um gasto público de R$ 39 mil, em um evento que não tinha qualquer
relação com suas funções judiciais.
"O
gasto de togados com viagens internacionais, inclusive destinadas a fins
alheios às suas atribuições constitucionais, é mais um indicador do nosso
patrimonialismo tóxico, onde os detentores do poder tratam as verbas públicas
como se fossem de sua propriedade privada", afirma a consultora jurídica
Katia Magalhães.
Jorge
Casagrande, advogado especialista em compliance, critica "a presença
ostensiva de ministros em eventos internacionais e a frequência dessas
viagens", que "levantam questões sérias sobre a prudência e a
parcimônia esperadas de magistrados em suas funções". "A busca pelo
holofote e a exposição constante podem conflitar com os princípios de discrição
e imparcialidade que devem nortear a atuação de um juiz", afirma.
Convívio
excessivo com políticos em eventos é nocivo a magistrados, criticam
juristas: Juristas consultados pela Gazeta do Povo criticam o convívio
excessivo dos magistrados de tribunais superiores com autoridades em eventos
que atraem a elite política do país.
Katia
Magalhães recorda que os juízes, nesses eventos, travam intenso convívio com
autoridades brasileiras que estão sob sua própria jurisdição, por causa do foro
privilegiado. "Assim, parlamentares cujas condutas só podem ser apreciadas
por integrantes do STF interagem, fora dos autos, com seus próprios juízes. No
caso específico dos senadores, o cenário assume tons ainda mais grotescos, na
medida em que, à luz da nossa Constituição, cabe ao senado a atribuição
exclusiva de conter desmandos do Judiciário, incluindo-se aí a abertura e a
análise de eventuais processos de impeachment contra magistrados do STF",
diz.
Na
mesa de abertura do "Gilmarpalooza", estará o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, que, até abril, vinha tentando acelerar a tramitação da PEC
(Proposta de Emenda à Constituição) do quinquênio. A proposta prevê um
adicional de 5% sobre o salário de carreiras judiciais a cada cinco anos de
serviço. O impacto orçamentário estimado seria de R$ 82 bilhões até 2026.
Katia
lembra ainda que os governadores, que estão sob a jurisdição exclusiva do STJ,
também travam convívio com os magistrados responsáveis por julgá-los, o que,
para ela, é "mais uma visível quebra do distanciamento esperado nas
relações entre julgadores e seus jurisdicionados".
"A
realização desses encontros enseja um ambiente de promiscuidade ostensiva,
incompatível com os pilares de qualquer estado democrático de direito. Por
consequência, a sociedade desconfiará de julgamentos envolvendo lideranças
políticas, devido à notória proximidade entre estas e os togados responsáveis
pela condução dos casos. Afinal, quem dará crédito às decisões de magistrados
que forem vistos, amiúde, em convescotes com as partes litigantes nos
processos?", questiona.
Os
juristas temem que a conduta vista na cúpula seja tomada como exemplo e
reproduzida em tribunais inferiores, nas relações entre juízes e mandatários
locais.
"Essa
conduta pode gerar um impacto significativo nos juízes de tribunais inferiores,
que, ao observar o comportamento da alta cúpula, podem sentir-se estimulados,
pressionados ou mesmo motivados a adotar posturas similares, comprometendo a
imparcialidade e a independência do Judiciário como um todo", comenta
Casagrande.
Katia
observa que essa já é uma realidade no Brasil. "Em eventos locais, de
visibilidade bem menor que o Fórum de Lisboa, juízes dos tribunais de justiça e
dos tribunais regionais federais também são frequentemente encontrados em
reuniões festivas com empresários e figurões da advocacia, atuantes em
processos sob a condução desses mesmos magistrados", diz. "A
promiscuidade, fomentada por dispositivos da Constituição, tais como o foro
privilegiado e o quinto constitucional, veio a assumir proporções inaceitáveis
por qualquer indivíduo que pretenda viver em um autêntico Estado de Direito, e
não em um simulacro de democracia", complementa.
Parabéns GAZETA DO POVO! CONCORDO PLENA E TOTALMENTE COM TODOS VOCÊS, GÊNIOS DO BOM JORNALISMO. Grande abraço.
ResponderExcluirParabéns, de coração, por toda sua reportagem. Adorei. Eduardo Augusto de Oliveira Dornas.
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