A
reversão de duas condenações e dez ações remanescentes no Superior Tribunal
Eleitoral (TSE) se interpõem entre a inelegibilidade do ex-presidente Jair
Bolsonaro e o seu retorno às urnas. Diante do calvário que o ex-mandatário
enfrenta no Judiciário, a aposta de seus aliados para que volte a ser elegível
está no Congresso. Para tanto, eles têm investido na aproximação com os
candidatos à presidência da Câmara e do Senado, visando a obtenção da maioria
no Congresso para aprovação de uma lei de anistia.
Analistas
políticos ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que as possibilidades e caminhos
efetivos para que Bolsonaro volte a disputar eleições envolvem a superação
desses desafios jurídicos e se somam às questões políticas. E também serão
influenciadas pelo resultado das eleições municipais deste ano e pela
conjuntura econômica do país.
Além
disso, as recentes declarações de magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF)
sobre a anistia aos presos do 8/1 e uma eventual reversão da inelegibilidade
Bolsonaro indicam que, apesar das articulações políticas, o Legislativo pode
ser derrotado pela Corte se avançar com eventuais projetos.
Nesta
sexta-feira (28), o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “quem interpreta a
Constituição é o Supremo Tribunal Federal", dando a entender que o
Judiciário terá a palavra final sobre a anistia aos acusados. "Quem
admite anistia ou não é a Constituição Federal e quem interpreta a Constituição
é o Supremo Tribunal Federal", disse Moraes. Já na terça-feira (25), o
ministro Gilmar Mendes afirmou ser “muito difícil” anular a inelegibilidade de
Bolsonaro via STF.
Além
disso, a atual presidência da ministra Cármen Lúcia no TSE, que passará o cargo
para o ministro Nunes Marques (indicado por Bolsonaro) antes das eleições
presidenciais de 2026 podem ser decisivos para que o ex-presidente volte a ser
elegível.
Até
o momento, Bolsonaro acumula três condenações por inelegibilidade. A primeira
ocorreu em junho de 2023, quando ele foi tornado inelegível por 8 anos por uma
reunião realizada com embaixadores, no Palácio da Alvorada. Na época, o então
mandatário criticou as urnas eletrônicas.
Em
outubro do mesmo ano, Bolsonaro e o general Braga Netto foram condenados pelo
plenário do tribunal à inelegibilidade por oito anos pelo alegado uso eleitoral
das comemorações de 7 de setembro de 2022.
Uma
semana depois, em decisão individual, o ministro Benedito Gonçalves voltou a
condenar os dois pelos mesmos fatos, mas em outro processo movido sobre o
episódio. Esta condenação foi revertida pelo ministro Raul Araújo no último dia
11 de junho.
Anistia
aos presos do 8 de janeiro também pode beneficiar Bolsonaro: Um dos
caminhos vistos pelos parlamentares de oposição para que Bolsonaro possa ter de
volta seus direitos políticos é a anistia aos presos do 8 de janeiro. A
avaliação dos aliados é que, antes do presidente, é necessário criar um clima
de perdão aos condenados pelos atos daquela data.
Há
diversos projetos de lei diferentes sobre o tema a espera de serem analisados
em conjunto na Câmara. Alguns propõe anistia aos cidadãos que participaram dos
atos e outros dizem que Bolsonaro também deve ser beneficiado. No último dia 5
de junho, o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) foi escolhido pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) para relatar o projeto que
vai discutir todas essas propostas.
Paralelamente
a esta iniciativa, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também tem buscado
pré-candidatos à presidência da Câmara para negociar uma possível anistia. Como
mostrou a Gazeta do Povo anteriormente, Costa Neto está em negociações com os
principais candidatos à vaga, incluindo Marcos Pereira (Republicanos-SP), Elmar
Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA). A ideia é que o PL apoie quem
se comprometa a levar a anistia ao plenário em 2025.
Em
outra frente, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) apresentou o PL
3317/2023, que concede anistia aos condenados por ilícitos cíveis eleitorais ou
declarados inelegíveis desde outubro de 2016, após a decisão do TSE em
inabilitar eleitoralmente Bolsonaro.
Outros
dois projetos foram apensados ao texto de Sanderson: o PL 3352/2023, que
concede anistia aos candidatos presidenciais em 2022 que tenham sido
processados, condenados ou com registro cassado; e o PL 5847/2023, que anistia
candidatos que tiveram o registro cassado por declarações acerca da urna
eletrônica.
No
momento, o projeto de Sanderson também se encontra na CCJ da Câmara, mas
aguarda designação de relator. Apesar do colegiado ser presidido pela deputada
Carol De Toni (PL-SC), a expectativa é de que qualquer tipo de proposta de
anistia tenha andamento somente quando as condições políticas na Casa sejam
favoráveis.
Oposição
aposta nas eleições para reverter situação de ex-presidente: Para criar as
condições favoráveis à aprovação dos projetos no Congresso, a oposição ao
governo aposta em duas frentes para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro: a
primeira é a já mencionada eleição para presidência da Câmara, marcada para
2025. A estratégia é condicionar o apoio da oposição ao candidato que se
comprometer em dar andamento aos projetos de anistia, tanto dos presos do 8 de
janeiro, quanto de Bolsonaro.
Apesar
da estratégia, nos bastidores, a oposição entende que a votação do PL 3317/2023
pode não ocorrer em um primeiro momento, mesmo sendo acordado com o futuro
presidente da Casa. No entanto, aliados de Bolsonaro esperam que os projetos
fiquem posicionados de forma mais positiva para uma eventual oportunidade de
votação.
A
segunda opção avaliada é batalhar para conseguir a maioria no Congresso
Nacional em 2026. A estratégia vem sendo anunciada pelo próprio Valdemar nos
últimos meses. A expectativa é impulsionar o partido nas eleições municipais
deste ano para criar uma plataforma ampla e consolidada para as próximas
eleições.
Força
do capital político de Bolsonaro será testado em eleições municipais deste
ano: Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), Bolsonaro ainda possui um capital político relevante e
que será testado nas eleições municipais.
“A
chance de Bolsonaro voltar a ser considerado elegível depende de uma conjunção
de fatores. A primeira delas, a meu ver, vai ser o nível de importância e de
influência de Bolsonaro nas eleições municipais. É uma espécie de teste de
força”, disse Elton. Ele também lembrou que o cenário econômico do país pode
influenciar em uma eventual elegibilidade do ex-presidente.
“A
segunda condição é a situação da economia nacional. A situação econômica do
governo Lula é bastante delicada e a tendência, segundo os principais
observadores, estudiosos e analistas, é de piora do cenário fiscal. Ou seja,
déficit das contas públicas, prejuízo da balança comercial e alta do câmbio. O
prognóstico negativo da economia pode fazer com que as elites políticas,
econômicas e empresariais brasileiras considerem Bolsonaro como espécie de
seguro anti-Lula”, disse o cientista político.
Indefinições
sobre anistia a Bolsonaro podem levar a outras candidaturas da
direita: Com as indefinições sobre o andamento do PL que concede anistia a
Bolsonaro, a oposição, que inicialmente pregava Bolsonaro como único candidato,
já admite abertamente a substituição do ex-mandatário na corrida. Em 15 de
junho, Valdemar disse que Bolsonaro decidirá os candidatos a presidente e vice
de seu partido em 2026.
“Nós
queremos o (Jair) Bolsonaro candidato a presidente do Brasil pelo PL. Agora, se
ele não for, quem decide quem vai ser o candidato a presidente é o Bolsonaro.
Quem decide quem vai ser o candidato a vice-presidente é o Bolsonaro”, disse o
presidente do PL em propaganda partidária.
Para
a oposição, ganhar maioria no Congresso, especialmente no Senado, vai além da
mera possibilidade de aprovar projetos de anistia. O objetivo também é impor um
freio em abusos praticados pelo Supremo através de eventuais processos de
impeachment contra ministros. Sendo o Senado, a Casa responsável pela abertura
desses, o Partido Liberal, de acordo com Costa Neto, trabalha para eleger ao
menos 25 das 52 vagas disponíveis na eleição de 2026. Dos 13 senadores da
bancada, cinco irão disputar reeleição em 2026.
Quantidade
de ações torna elegibilidade de Bolsonaro via Justiça pouco provável: A
retomada da elegibilidade de Bolsonaro pela via judicial, apesar da anulação de
uma condenação, é vista como um cenário improvável. Apesar da nova composição
do TSE ser avaliada como menos refratária ao ex-presidente, o número de ações
contra Bolsonaro na Corte é tido como principal obstáculo.
Ao
todo, 16 ações foram movidas pedindo a inelegibilidade de Bolsonaro. Desse
número, seis já foram julgadas: três condenaram Bolsonaro - sendo que uma delas
foi anulada - e outras três foram rejeitadas pelo TSE em outubro do ano
passado. Estas últimas pediam a condenação de Bolsonaro pela reunião com
governadores e cantores na biblioteca do Palácio da Alvorada e pela realização
de lives dentro da residência presidencial.
As
outras 10 ações dizem respeito ao 7 de setembro, ao discurso de Bolsonaro na
Organização das Nações Unidas (ONU), ao suposto tratamento privilegiado na
rádio Jovem Pan e ao suposto uso da máquina pública em benefício próprio. Elas
ainda dependem de julgamento.
A
chegada da ministra Cármen Lúcia no comando da Corte chegou a ser avaliada por
aliados do ex-presidente como uma oportunidade para um distensionamento entre
Bolsonaro e o TSE. No entanto, ao assumir o cargo de presidente, a magistrada
indicou que manterá a linha dura adotada por Moraes.
“O
que distingue esse momento da história de todos os outros é o ódio e a
violência agora usados como instrumentos por antidemocratas para garrotear a
liberdade, contaminar escolhas e aproveitar-se do medo como vírus e adoecer
pela desconfiança cidadãs e cidadãos”, afirmou Cármen Lúcia em discurso de
posse no último dia 3 de junho.
Cenário
para retorno político de Bolsonaro pode se complicar com caso das
joias: Por outro lado, o comando do TSE sob o ministro Nunes Marques,
marcado para 2026, é avaliado como uma possível janela para que a situação
eleitoral de Bolsonaro seja amenizada. O magistrado foi um dos dois indicados
pelo ex-presidente ao STF. No entanto, outras pendências com a Justiça podem
complicar uma elegibilidade do ex-mandatário.
Além
das ações na Justiça Eleitoral, o possível indiciamento no caso das joias
sauditas também é avaliado como outro fator que pode dificultar qualquer
reviravolta da inelegibilidade via Judiciário. Essa expectativa é compartilhada
pelo advogado Breno Carrilho, especialista em Direito Eleitoral. Para ele, a
quantidade de ações pode inviabilizar a situação do ex-presidente.
“Em
um cenário hipotético, se as outras duas condenações de Bolsonaro forem
anuladas, o ex-presidente pode recuperar sua elegibilidade. No entanto, é
importante considerar que a elegibilidade não depende apenas da ausência dessas
condenações específicas. Bolsonaro enfrenta, pelo menos, outras cinco
investigações no Supremo Tribunal Federal que, se resultarem em condenações,
poderiam novamente torná-lo inelegível”, disse o advogado.