Nesta
semana, em uma entrevista ao UOL, o presidente Lula fez declarações sobre a
presença de mulheres e negros em cargos de liderança que lembram as falas da
CEO do Nubank, Cristina Junqueira, no Roda Viva em 2020. Vale a pena o
exercício de comparar as duas declarações e analisar as consequências para cada
um dos envolvidos.
Durante
a entrevista ao UOL, Lula disse: “Mulheres e negros ainda são sub-representados
em posições de liderança, e nós temos dificuldade em encontrar candidatos
qualificados.”
Já
Cristina Junqueira, no Roda Viva, afirmou: "A gente procura, mas não dá
para nivelar por baixo. Não dá para a gente ter que sacrificar um objetivo que
a gente quer só porque tem que atender uma cota."
Por
que o presidente Lula pode repetir as mesmas coisas que Cristina Junqueira sem
ser cancelado? A base militante de Lula é completamente cega a qualquer crítica
contra ele, defendendo-o incondicionalmente
As
consequências para Cristina Junqueira foram severas. Ela foi perseguida e
cancelada nas redes sociais, acusada de racismo, e o Nubank teve que pedir
desculpas publicamente. A declaração gerou uma onda de indignação e revolta,
capitaneada por famosos influencers antirracistas.
O
Nubank publicou uma carta de desculpas e anunciou uma série de iniciativas para
aumentar a diversidade na empresa e combater o racismo institucional. No dia
seguinte à declaração, Cristina Junqueira emitiu um pedido de desculpas pessoal
em suas redes sociais, onde afirmou: "Lamento profundamente meus
comentários insensíveis e peço desculpas a todos que ofendi."
O
impacto foi significativo também para o Nubank, que acabou cancelado por
tabela. A empresa, que é uma das primeiras a promover políticas de diversidade,
teve de criar novos programas. "Reconhecemos que precisamos fazer mais
para promover a inclusão e a diversidade na nossa empresa e na sociedade",
afirmou a empresa em uma carta aberta.
Em contraste, Lula, apesar de algumas críticas na imprensa, foi amplamente defendido nas redes sociais por seus seguidores, que alegaram que suas palavras foram descontextualizadas. Alguns críticos classificaram a fala de Lula como uma gafe ou deslize, nada nem perto do massacre feito contra a CEO do Nubank.
Por
que o presidente Lula pode repetir as mesmas coisas que Cristina Junqueira sem
ser cancelado? Há muita coisa envolvida. Primeiro, a base militante de Lula é
completamente cega a qualquer crítica contra ele, defendendo-o
incondicionalmente. Segundo, os cancelamentos são movidos por interesses
específicos e muitas vezes miram nas pessoas, e não necessariamente nas falas
em si. As declarações controversas são usadas como desculpas para massacrar
alguém, dependendo do contexto e da pessoa envolvida. Geralmente há questões
comerciais por trás dos ataques.
Cristina
Junqueira não possui a mesma base de apoio militante que Lula. As empresas,
especialmente aquelas do setor financeiro, são frequentemente vistas com
desconfiança e criticadas. Isso torna seus líderes alvos fáceis. Além disso, as
redes sociais exercem um papel crucial na amplificação de controvérsias.
Junte-se
a isso o mercado criado por sucessivos cancelamentos. Miram em uma marca,
alguns influencers são contratados para consultorias de inclusão e diversidade,
o inferno passa e escolhem outra marca. Bancos têm muito dinheiro.
O
humorista Danilo Gentili resumiu bem essa dinâmica em uma entrevista que me deu
em 2016: "O problema não é o que fala, é quem fala." Essa frase
captura a essência de como a sociedade reage às declarações públicas, mostrando
que a identidade de quem faz a declaração pode influenciar drasticamente a
reação do público e da mídia.
O
mais grave é que, hoje em dia, a identidade de uma pessoa não depende mais de
quem ela é e como age. Isso não importa para boa parte das pessoas. Elas se
informam com influentes maledicentes que costumam usar uma frase, uma foto, um
recorte de vídeo ou simplesmente uma pilha de mentiras como “comprovação” de
que aquela pessoa merece ser aniquilada. Depois que alguém se engaja nessa
aniquilação, dificilmente aceitará o confronto com a verdade.
Há
uma vontade enorme de se convencer de que estava apenas combatendo o mal. É
muito doloroso admitir que foi enganado, pensou mal de alguém sem ter os fatos,
agiu de forma errada e cometeu injustiças. Seria a atitude de gente que coloca
princípios e propósitos em primeiro lugar, pessoas com bússola moral. Não vale
a pena esperar isso de quem pratica cancelamentos.