O
Supremo Tribunal Federal (STF) caminha para invalidar pelo menos quatro
dispositivos da reforma da Previdência promulgada em 2019, durante o governo de
Jair Bolsonaro (PL). Retomado na semana passada, o julgamento conjunto de 13
ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que tratam do tema foi suspenso
em razão de um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o último a
votar.
Em
quatro pontos, no entanto, já há maioria para anular norma estabelecida pela
emenda constitucional da reforma da Previdência, embora qualquer membro da
Corte ainda possa mudar seu voto até o fim do julgamento. Um quinto aspecto tem
empate de cinco a cinco entre ministros que são favoráveis e contrários à sua
derrubada, faltando a manifestação de Mendes para o desempate.
Entenda a seguir o que pode mudar no sistema previdenciário caso se confirme a tendência manifestada até agora pelos ministros do STF. Contribuição previdenciária acima do salário mínimo para aposentados e pensionistas – 6x4
O
primeiro ponto em questão diz respeito à possibilidade de se ampliar a base de
cálculo da contribuição de servidores públicos inativos sobre valor que
ultrapasse o salário mínimo, atualmente em R$ 1.412.
Antes
da reforma, instituída pela Emenda Constitucional (EC) 103/2019, aposentados e
pensionistas tinham imunidade tributária sobre montante até o limite do teto do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje fixado em R$ 7.786,02.
“A
respectiva imunidade tem como principal fundamento a equiparação de tratamento
tributário entre a aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social [RGPS],
que não tem a incidência de contribuição previdenciária, e o Regime Próprio de
Previdência Social [RPPS]”, explica Nazário Nicolau Maia Gonçalves, diretor do
Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
A
reforma de Previdência passou a prever que, “quando houver déficit atuarial, a
contribuição ordinária [...] poderá incidir sobre o valor dos proventos de
aposentadoria e de pensões que supere o salário mínimo”. Resultado
atuarial é a diferença projetada entre os recursos disponíveis e os
valores a serem pagos de benefícios ao longo do tempo.
Gonçalves
lembra que o déficit atuarial pode ser constatado, ainda que no momento um
fundo previdenciário tenha condições de arcar com os pagamentos do benefício,
desde que haja prospecções futuras de inviabilidade de
autossustentabilidade.
“A
EC 103/2019 elegeu como responsável para reduzir o déficit atuarial,
inicialmente, os aposentados e pensionistas, sem exigir maior participação do
ente federativo e dos servidores ativos, em flagrante tratamento tributário
distinto e responsabilizando apenas uma parcela dos beneficiários e
responsáveis pela sustentabilidade do regime previdenciário ante ao princípio
da solidariedade”, diz o advogado.
Seis
ministros do STF já votaram pela inconstitucionalidade da incidência de
contribuições previdenciárias dos aposentados e pensionistas a partir de um
salário mínimo, compreendendo que deve ser restabelecido a imunidade tributária
destes até o teto do RGPS. Apenas Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Nunes
Marques e Luiz Fux são favoráveis à manutenção do dispositivo.
Contribuição
extraordinária de servidores ativos e inativos e pensionistas – 7x3
: Outro dispositivo em xeque é o que cria a chamada contribuição
extraordinária para servidores. A reforma da Previdência de 2019 alterou o art.
149 da Constituição para incluir a possibilidade de, em caso de déficit
atuarial em RPPS, ser recolhida uma contribuição temporária que poderia
atingir tanto funcionários públicos ativos quanto aposentados e
pensionistas.
A
medida teria o objetivo de equilibrar financeiramente fundos previdenciários de
servidores de Estados e municípios em situação de insustentabilidade. Após o
restabelecimento do equilíbrio do sistema, a cobrança deixaria de ser
feita.
“Assim,
em qualquer hipótese de déficit atuarial, independentemente da responsabilidade
dos servidores ativos, aposentados ou pensionistas, incidirá alíquota
extraordinária, suficiente para equacionar o déficit atuarial, sem qualquer
participação do ente federativo para sanar eventuais déficits”, explica o
diretor do IBDP.
Antes
da alteração feita pela reforma da Previdência, a obrigatoriedade para sanar
dívidas insolúveis por meio das contribuições previdenciárias era de
responsabilidade do ente federativo.
Até
agora, o Supremo compreendeu, por sete votos, que há excesso de tributação, bem
como, criação de novo tributo, já que se criou a possibilidade jurídica de
tributação de contribuições extraordinárias por até 20 anos. Apenas Barroso,
Zanin e Fux votaram pela constitucionalidade da cobrança.
Nulidade
de aposentadoria já concedida sem tempo de contribuição – 9x1 : A reforma
de 2019 estabeleceu ainda que, para que o tempo de serviço no RGPS seja contado
para fins de aposentadoria no RPPS, é necessário que as contribuições
previdenciárias correspondentes tenham sido efetivamente recolhidas ou
indenizadas pelo servidor.
Assim,
seriam nulas as aposentadorias concedidas pelo RPPS que contabilizaram tempo de
serviço do RGPS sem o recolhimento das respectivas contribuições
previdenciárias ou a correspondente indenização. O texto da emenda permite,
nesses casos, o cancelamento de benefícios já concedidos de aposentadoria e
pensão por morte.
Existem
poucas situações em que servidores públicos tiveram direito à aposentadoria por
meio de fundo de pensão com cômputo de tempo em outro regime previdenciário,
sem a respectiva emissão de Certidão de Tempo de Contribuição. “Citamos para
tanto a Lei Orgânica da Magistratura e Lei Orgânica do Ministério Público que
permitem eventual cômputo do período de advocacia, ainda que eventualmente não
haja contribuições previdenciárias vertidas para o RGPS”, ressalta Gonçalves,
do IBDP.
Nesse
caso, nove ministros votaram pela preservação das aposentadorias concedidas
nesse contexto, invalidando o dispositivo da EC. Somente Edson Fachin votou por
manter a possibilidade de se anular os benefícios.
Tratamento
diferenciado de mulheres no RGPS e no RPPS – 7x3 : O quarto ponto da
reforma da Previdência que teve maioria formada no STF para sua
inconstitucionalidade foi a fórmula de cálculo das aposentadorias de servidoras
públicas, que diverge da adotada para trabalhadoras do RGPS.
Para
as mulheres que se aposentam pelo RGPS, há garantia de 60% do valor apurado
acrescido de 2% por ano de contribuição que supere os 15 anos de contribuição.
Já na fixação da incidência da alíquota sobre o valor apurado da média
aritmética dos servidores públicos federais, a EC 103 fixou regra idêntica
tanto para homens quanto para mulheres, ou seja, de 60% do valor apurado
acrescido de 2% por ano de contribuição superior a 20 anos.
Sete
ministros se manifestaram pelo entendimento de que a norma é inconstitucional,
pois violaria a isonomia de tratamento entre os regimes. Barroso, Zanin e Nunes
Marques consideraram que o dispositivo é válido.
Progressividade
de alíquotas para servidores públicos – 5x5 : Finalmente, há um quinto
aspecto da reforma da Previdência que pode ser validado ou invalidado a
depender apenas do voto do ministro Gilmar Mendes. Trata-se da cobrança de
alíquotas progressivas de funcionários públicos federais.
Antes
da reforma, servidores federais contribuíam com alíquota fixa de 11%,
independentemente dos vencimentos. A EC 103 introduziu um sistema de
progressividade de alíquotas, que variam conforme a faixa salarial, com a
justificativa de tornar o sistema mais justo e equilibrado.
Assim,
a contribuição hoje varia de 7,5% a 22%, da seguinte forma: até R$
1.412,00 – 7,5%; de R$ 1.412,01 até R$ 2.666,68 – 9%; de R$ 2.666,69
até R$ 4.000,03 – 12%; de R$ 4.000,04 até R$ 7.786,02 – 14%; de R$
7.786,03 até R$ 13.333,48 – 14,5%; de R$ 13.333,49 até R$ 26.666,94 –
16,5%; de R$ 26.666,95 até R$ 52.000,54 – 19%; acima de R$ 52.000,54
– 22%.
Por
enquanto, o placar para derrubar ou manter o dispositivo está empatado em cinco
a cinco. Votaram pela derrubada do trecho Edson Fachin, Rosa Weber, Dias
Toffoli, Cármen Lúcia e André Mendonça. Já Luís Roberto Barroso, Luiz Fux,
Cristiano Zanin, Nunes Marques e Alexandre de Moraes se manifestaram pela
manutenção da regra.
Para
Gonçalves, do IBDP, a confirmação do julgamento do STF, que ainda não tem data
para ser retomado, pode acelerar uma discussão sobre novas mudanças no sistema
previdenciário. “O julgamento do Supremo permite novas reflexões especialmente
em relação a limites de tributação, principalmente para fins já arrecadação”,
avalia.