A demonização do adversário é uma tática antiga para
destruir adversários, consolidar o poder, dividir a sociedade e (se demonizado
é estrangeiro) desviar a atenção de problemas internos. Como bom ditador que é,
Nicolás Maduro faz isso há tempos e já escolheu o seu novo demônio a ser
combatido: o bilionário sul-africano Elon Musk.
Sua máquina de propaganda divulgou um vídeo de
animação em que Musk é literalmente a manifestação do cramulhão que planeja a
dominação da Venezuela para roubar os recursos naturais do país. Direto do
inferno, com chifres, garras e chamas, Musk encarna o mal.
O exorcista, vamos dizer assim, é o próprio Nicolás
Maduro. Na verdade, a sua identidade (nada) secreta, o Super Bigode. Pois é,
Maduro mandou seus publicitários criarem bonecos, revistinhas em quadrinhos e
animações em que ele aparece como um super heroi.
Mas o poder de Maduro e seu alter ego Super Bigode não
vem de uma fonte qualquer. O ditador tem ao seu lado a “força de Deus”. Com um
crucifixo e a bíblia na mão, Maduro diz ser o ungido e escolhido para derrotar
o capiroto e salvar o país e seu povo.
Desde o simulacro de eleição realizado no final de
julho, Maduro tem acusado Musk de ter realizado, entre várias coisas, ataques
cibernéticos, manipulação das redes e financiamento de golpe. O teatro, que é
bem próprio das ações do regime, incluiu um convite de Maduro para que o
sul-africano aceitasse subir em um ringue para que eles pudessem dirimir as
diferenças por meio de uma luta corporal.
Ao transformar Musk em um vilão, Maduro busca
mobilizar seus apoiadores e desviar a atenção da grave crise de legitimidade
que se abateu sobre ele depois que a oposição provou a fraude superlativa que
ele empreendeu na eleição fantasiosa que lhe garantiu um terceiro mandato.
Não é a primeira vez que Musk entra na mira dos
bolivarianos. Em 2019, quando fraudou as eleições na Bolívia, o cocaleiro Evo
Morales se transformou em alvo de uma série de protestos populares que levaram
à sua queda dias depois.
Morales puxou o coro e toda a esquerda – incluindo
Maduro – passou a acusar Musk de ter sido o financiador do “golpe”. Rica em
insumo central para as baterias dos carros elétricos, a Bolívia seria alvo da
ganância do bilionário que tem entre os seus negócios a Tesla, a montadora
líder no setor.
Musk não faz diferente. Recentemente, ele comparou o
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ao vilão Lord
Voldemort, da série de romances Harry Potter. Embora o personagem não seja
exatamente o diabo, ele encarna a mais pura expressão do mal. Não por acaso,
Voldemort é o inominável.
Uma boa sacada considerando o controverso desempenho
de Xandão na condução de um inquérito em que ele é juiz, promotor, investigador
e algumas vezes vítima. Uma anomalia jurídica incompatível com qualquer lugar
civilizado, mas que no Brasil virou sinônimo de democracia.
Mas ao recorrer à figura do tinhoso, Musk serve de
exemplo para que não nos esqueçamos que entre tantas referências ao maligno,
não há anjos nem santos nas disputas
Hugo Chávez, que foi quem fundou o regime na Venezuela
e deixou Nicolás Maduro em seu lugar, também recorria à figura do capeta para
espezinhar seus rivais. Em 2006, subiu na tribuna da Assembleia Geral das
Nações Unidas e disse que o local ainda fedia a enxofre, pois o maligno havia
passado por lá no dia anterior, em referência ao presidente dos Estados Unidos
George W. Bush.
O ayatollah Khomeini, que fundou o regime teocrático
do Irã, se referia aos Estados Unidos como o “Grande Satã” e a Israel como o
“Pequeno Satã”. Uma retórica que aplicada no contexto do amálgama
político-religioso do regime iraniano, as denominações vão além do discurso e
se transformam em sentenças de condenação. Em dois alvos a serem literalmente
destruídos.
Além da desumanização do povo judeu, o nazismo foi
buscar na idade média relações com o satanismo para perseguir e promover o
holocausto. A desumanização, por sinal é um ingrediente recorrente no
antissemitismo expresso até hoje pelos grupos que, em nome da defesa dos
palestinos, reduz os judeus a imagem de insetos ou monstros.
Para Nicolás Maduro, a legitimidade advinda de uma
eleição limpa pouco importa. Maduro é um ditador. Os ataques dele a qualquer um
dever ser vistos como diversionismo e resultado de um cálculo muitas vezes
mediático.
Mas a demonização de Musk não deveria ser encarada
como um ato isolado. Maduro está colocando toda a oposição no mesmo balaio
demoníaco. O vídeo propaganda termina com a expulsão do maligno para Marte.
Sim, para Marte. Uma alusão explícita ao envio para o exílio. Algo que ele tem
imposto há tempos a muitos e certamente será algo que se intensificará.