Não é novidade para ninguém a baixa qualidade dos
serviços que o sistema de justiça do Brasil presta à população, a começar pela
conduta dos magistrados. É um museu de horrores que não para de ampliar o seu
acervo. O noticiário registra regularmente, por exemplo, os casos de juízes que
ganham 100.000 reais por mês, ou muito mais, por conta de vigarices legais que
são introduzidas na legislação sobre sua remuneração.
Existe a situação patética dos benefícios da
magistratura – os “penduricalhos” que premiam funcionários com o pagamento de
verbas de moradia, mesmo quando eles já têm moradia, salário-extra para quem
alega “trabalhar muito”, diárias, “quinquênios”, aumentos automáticos, licenças
prêmio. Há a impunidade legalizada, pela qual se pune atos de delinquência
cometidos por magistrados com sua aposentadoria plenamente remunerada. Sabe-se,
agora, que há juízes da mais alta corte judiciária do país que utilizam a linguagem
do mundo do crime em seus contatos no horário de trabalho.
É mais uma aberração da série que está vindo ao
conhecimento público com a publicação, na Folha de S. Paulo, das gravações
obtidas pelos jornalistas Glenn Greenwald e Fábio Serapião, de conversas entre
juízes e funcionários do STF e do TSE. No último desses diálogos, o juiz Marco
Antônio Vargas, do Supremo, diz a seu colega Airton Vieira, que trabalha no
gabinete do ministro Alexandre de Moares, que gostaria de sequestrar o
jornalista Allan dos Santos, exilado nos Estados Unidos, e trazê-lo à força
para os cárceres do STF no Brasil. “Dá vontade de mandar uns jagunços pegar
esse cara na marra e colocar num avião”, diz o juiz Marco Antônio para o juiz
Airton.
Acharam um absurdo que a Interpol não obedeça às suas
ordens e prenda quem o ministro Moraes manda prender
Os dois, nessa conversa, estavam indignados com a
recusa da Interpol, nos Estados Unidos e no seu comando internacional na
França, em extraditar Allan para o Brasil. Nenhum estava entendendo que a
Interpol não é a Polícia Federal do ministro Alexandre de Moraes - que executa
qualquer ordem recebida dele, sem se importar se é legal ou ilegal.
A Interpol é uma instituição das democracias mundiais,
e como tal só cumpre mandados de prisão legais. Não faz prisões, nem
extradições políticas – e, no caso, nem tomou conhecimento das exigências de
Moraes e dos seus auxiliares. Não passou pela cabeça de ninguém, claro, que a
organização ignorou os pedidos de extradição de Allan porque eles eram
flagrantemente ilegais. Numa demonstração clara de como se pensa hoje na
suprema corte deste país, acharam um absurdo que a Interpol não obedeça às suas
ordens e prenda quem o ministro Moraes manda prender.
A Interpol, da mesma forma como a polícia de qualquer
país sério, não vai prender Allan dos Santos porque ele é alvo,
comprovadamente, de acusações políticas. Qual é o crime que cometeu? Nenhum.
Tudo o que os juízes do STF conseguem dizer dele é que age “contra a
democracia” – escreve fake news, faz “ataques” ao STF etc. etc. etc. Isso só é
crime na justiça do Brasil, hoje a serviço de facções políticas e comandada por
um Comitê Central no qual as ordens são dadas por Moraes e pelos militantes do
grupo “Prerrogativas” que controlam o alto aparelho judicial do País. No mundo
democrático, é apenas o exercício da liberdade de expressão.
A justiça brasileira está no mais baixo ponto de sua
história quando um juiz que trabalha no STF diz, com todas as letras, que
gostaria de mandar “jagunços” para prender um acusado. O que ele tem vontade de
fazer é crime: nenhuma autoridade, por mais alta que estime ser, pode prender
alguém com o uso de jagunços. O juiz do STF, no fim das contas, não mandou seus
capangas raptarem Allan Santos, nos Estados Unidos, pelo excelente motivo de
que não tem capacidade instalada para fazer o que gostaria. Mas sua cabeça é um
retrato do nível de qualidade que vigora hoje em dia no Supremo Tribunal
Federal deste País.