Nas últimas semanas, temos visto intensificar o embate
entre STF e Congresso Nacional. Infelizmente, o debate se apequenou e leva
em conta apenas o lado monetário - quem fica com o dinheiro e quem controla o
dinheiro de quem. De um lado o STF, sob o pretexto de querer mais transparência
nas emendas, quer ajudar o governo a centralizar mais o orçamento nas mãos da
agenda do governo; de outro, o Congresso, liderado pelo Centrão, sempre pedindo
mais dinheiro para seus parlamentares.
Ou seja, são duas entidades distintas motivadas por
intentos espúrios, digamos, não republicanos. O Executivo não deveria
centralizar política pública nem direcionar o orçamento sem respaldo da
representatividade e da agenda do legislativo; e o legislativo não deveria
estar lutando por mais controle do orçamento só para direcionar mais recursos
em emendas individuais dos parlamentares. As duas entidades agem em disfunção.
Essa discussão deve levar em conta que 90% do
orçamento federal já está comprometido com despesas obrigatórias, contempladas
em constituição, portanto, a briga é por uma pequena parcela do orçamento, mas
ainda assim consiste em dezenas de bilhões de reais. Diante da sanha
orçamentária que se apresenta, em que lado devemos apostar?
Congresso deveria assumir 100% do orçamento: Em toda
democracia representativa do ocidente o orçamento é do Congresso, em países
presidencialistas; ou do Parlamento, em monarquias e repúblicas
parlamentaristas.
Mas por que isso é importante? Toda discussão
orçamentária deve ocorrer à luz do debate público, levando em conta diferentes
regiões e bancadas e temas que estão representados somente no Congresso
Nacional. E também porque, ao final das contas, os recursos federais vêm de
todo o Brasil.
Seguindo o princípio de que “taxação sem representação
é tirania”, a opinião pública deve ser representada na sua totalidade, na
Câmara e no Senado, e não na minoria que ocupa o Poder Executivo. Este tem a
soberania de executar o que o Congresso Nacional determina em diretrizes
orçamentárias. Ele pode sugerir, pode fazer contrapontos, mas a dotação deveria
ser do Congresso.
Tratantes: em função da disputa de um orçamento que
está nas mãos do Poder Executivo, Câmara e Senado hoje só elegem seus
presidentes para negociar apoio ao Governo Federal.
Essa pequena parcela de orçamento é a moeda de troca.
Em vez de representar a agenda do Legislativo, os presidentes de Câmara e
Senado são meros tratantes. Note como todo o sistema ficou corrompido pelas
emendas individuais.
O resultado absurdo é que o Parlamento deixa de
exercer sua função principal, entrega sua soberania legislativa para o governo,
em troca dessa parcela ínfima de orçamento que o governo comanda
Se o congresso controlasse 100% do orçamento, não
haveria necessidade de comprar deputados nem bancadas, pois transferiria para o
Congresso toda a discussão sobre a destinação de verbas e o Executivo ficaria
encarregado somente de executar - a função descrita pelo próprio nome.
Isso é parlamentarismo? Não. Lembramos que o Congresso
norte-americano já tem essa competência, e assim se estabelece a relação entre
Congresso e Presidência; no caso do Brasil, essa mudança melhoraria o sistema
presidencialista, desobrigando o governo de sempre buscar recursos para fechar
a conta.
O Poder Executivo poderia ficar somente com a
arrecadação enquanto que a dotação orçamentária ficaria com o Legislativo.
Hoje, o Poder Executivo arrecada, define para onde vão os recursos e compra o
Congresso para aprovar seus planos. Péssima situação.
Como ficaria o orçamento nas mãos do parlamento? Já
existem as bancadas dos estados, representados na Câmara Federal, que fazem as
alocações estaduais, e é fundamental que estas sejam proporcionais e dentro do
contexto do Congresso. Também há demandas temáticas, como as de Defesa,
Segurança, Saúde, Educação, e várias comissões especializadas para discutir
assuntos estratégicos. Dessa forma, teríamos uma dinâmica de defensoria
temática muito qualificada de parlamentares inseridos nesses setores. Isso não
inibe os Ministérios da Defesa, da Saúde, da Educação e outros de participarem
das discussões do Congresso.
As emendas individuais não precisam existir nesse
cenário, pois se o Congresso é responsável por 100% do orçamento e os recursos
federais, seguem alocações proporcionais às regiões e, tocante à importância
dos temas, não há como favorecer um ou outro parlamentar de forma desigual, uma
vez que o processo segue o rito de debate aberto em comissão. Diante do atual
quadro, o governo pode alocar sem pudor para grupos e regiões que visa
favorecer de forma desproporcional, ou seja, criminosa.
Vereadores federais: é preciso eliminar por completo o
instituto das emendas individuais. Elas não são positivas, pois transformam um
parlamentar em vereador federal. Hoje a maior parte dos deputados federais são
exatamente isso: vereadores federais, efeito desagradável dessas emendas.
São deputados e senadores que não querem propor
legislação, nem fiscalizar o Poder Executivo, e desejam só barganhar com esse
governo para ganhar mais emendas e enviar para prefeitos e cabos eleitorais
locais - seja para executar obras que seriam da competência de estados e
prefeituras, ou comprar apoio político descaradamente. Isso sem mencionar
esquemas de “rachadinhas” e “rachadonas”.
Pode piorar? Existe agora no Congresso um assunto em
pauta: criar emendas de partido, o que deve ser extremamente destrutivo, pois
esfacela completamente a agenda legislativa, gerando toda sorte de ineficiência
e duplicidade nas alocações orçamentárias.
Esse novo formato beneficiaria líderes partidários e
facilitaria acordos do Poder Executivo diretamente com os caciques dos
partidos, que poderiam atuar como intermediários dos interesses governamentais.
O jogo está muito claro: alinhar interesses sem passar
pelos deputados, acessando ou comprando diretamente as lideranças, o que já
ocorre.
Falta incentivo para o bem e sobra para o mal: todo
deputado e senador eleito se depara com o dilema moral entre vender seu voto ao
Poder Executivo ou se manter fiel ao eleitor. O Congresso não é
incentivado a melhorar o estado de direito, a fiscalização e os freios e
contrapesos. Também não é incentivado a assumir cada vez mais o protagonismo de
uma agenda própria. Ao contrário, o Congresso, nos últimos 30 anos, tornou-se
mero carimbador do plano do governo – por um preço, é claro.
Acabar com emendas individuais, assumir controle do
orçamento, alocar proporcionalmente o erário por bancada e por tema de
comissão, são medidas que apontam o caminho para o legislativo assumir de fato
sua soberania.
O processo começa na eleição do presidente da Câmara e
do Senado. Dependendo das escolhas, teremos mais dois anos de vereadores
federais que pouco se importam se seu voto irá ajudar a criar uma ditadura. Se
nossas escolhas forem idôneas, teremos a chance de criar um Congresso de
verdade. Milagres acontecem.