Há uma questão de grande importância a ser colocada no
contexto atual do nosso país que poderia servir para uma reflexão e, quem sabe,
para uma retomada de caminho e de comportamento de nossa classe de juízes. Eis
a indagação: O que faz de um magistrado um juiz exemplar? No imaginário
popular, um juiz é alguém dotado não apenas do conhecimento das leis e dos
alfarrábios jurídicos, mas, sobretudo, da virtude de interpretá-los e usá-los
segundo a realidade dos fatos e da pessoa ou situação humana, objeto da análise.
Como premissa dessa questão é preciso estabelecer que
uma pessoa de má índole jamais poderá ser um bom profissional, em qualquer área
que atue. Essa máxima serve também para juízes. Em outras palavras, é possível
afirmar que o que faz de um magistrado um bom e justo juiz é sua capacidade de
se colocar no lugar do outro, ou sua capacidade de jamais se afastar de tudo o
que é humano.
Mais do que em outras profissões, o juiz tem em mente
que tudo o que é humano lhe interessa e o aflige humanamente. A propósito, mais
do que palavras, vale a pena buscar exemplos vivos desse modelo de juiz. Vejam
o caso exemplar do juiz americano Frank Caprio, conhecido mundialmente pelo
programa Caught In Providence, em que julga infrações de trânsito em sua
cidade.
Em uma entrevista recente, falando de seus mais de 40
anos como juiz, ele lembrou da ocasião em que, no seu primeiro dia de
julgamento, levou, todo orgulhoso, seu pai para assisti-lo. O caso envolvia uma
jovem, mãe de três filhos e que simplesmente alegou que não poderia pagar a
multa de trânsito, porque não tinha condições financeiras. Caprio, não gostando
da resposta pronta da jovem mãe, condenou-a a pagar a multa.
Terminada a sessão da Corte, o jovem juiz quis saber
de seu pai o que ele achou de seu veredito firme e racional. Em resposta, seu
pai o repreendeu. Em seu primeiro dia como juiz, não teve olhos para a situação
e realidade daquela mãe acuada e com três filhos para cuidar. A partir daquele
episódio inesquecível, Frank Caprio tomou a postura que hoje o faz ser
mencionado como “o melhor juiz do mundo” — ou seja, um juiz que não deixa que a
capa de juiz lhe roube a condição fundamental de humanidade.
Os casos são acompanhados pelos mais abastados de todo
o mundo que enviam cheques para que o juiz justo dê aos que precisam. São
mulheres que avançam o sinal por causa de violência doméstica, um senhor de 90
anos que estacionou o carro em área proibida porque não tinha condições de
carregar o filho de 60 anos fraco com o tratamento contra o câncer.
Aos juízes, mais do que qualquer outro atributo,
cabe-lhe o juízo, essa condição humana que faz com que os seres humanos se
harmonizem. Quando alguns juízes ficam alheio às forças vivas da sociedade, é
porque pelo menos uma parte dos magistrados perdeu o contato com uma realidade
maior do que aquela circunscrita dos gabinetes.
Toda essa questão a chamar a atenção para o Poder
Judiciário vem não só a propósito da excessiva e espetaculosa exposição dos
juízes da mais Alta Corte do país nos últimos anos, mas, sobretudo, por um
detalhe que passou a chamar a atenção de todos e que foi confirmado pelos
próprios magistrados: a incorporação dos matizes, da linguagem e das posturas
políticas à corte. Quando a população e até parte da imprensa começa a
suspeitar que a Suprema Corte tem adentrado por caminhos políticos em suas
deliberações, é porque esse comportamento chamou a atenção do público por tê-lo
atingido diretamente.
Para boa parte dos parlamentares, a Alta Corte vem
demonstrando, seguidamente, um comportamento puramente político em suas
decisões. Estudos feitos, recentemente pela AtlasIntel, demonstram que a
maioria dos brasileiros vê motivação política nas decisões do Supremo. Isso é
mais do que sintomático e requer uma retomada do caminho constitucional que
cabe à essa Corte.