Nove anos depois do maior desastre ambiental do país,
a situação das mais de 300 mil pessoas que perderam suas casas ou seu sustento,
devido ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, segue em passo de
“lesma manca”, nos infindáveis e burocráticos labirintos da justiça brasileira.
Naquela ocasião, cerca de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério
de ferro foram subitamente despejados nas cidades próximas, indo em direção à
Bacia do Rio Doce, provocando o maior desastre ecológico que se tem notícia,
destruindo praticamente todo o bioma do rio e deixando um rastro de mortes e
calamidades que se estenderam até a foz.
Oficialmente, 270 pessoas perderam a vida nos minutos
seguintes ao desmoronamento da barragem. Muitos moradores do local dizem que
esses números estão subdimensionados. De 2015 para cá, ações foram iniciadas,
de lado a lado, sem que conseguissem chegar a um acordo final para a
indenização das vítimas e para os reparos ambientais deixados de herança pelas
mineradoras Samarco, controlada pela Vale, e a BHP, de origem inglesa. Ao todo,
50 municípios foram severamente atingidos em Minas Gerais e no Espírito Santo.
O que ocorre é o típico fenômeno nacional recorrente: nenhuma dessas vítimas
possui o status social e econômico necessários para fazer com que a roda da
justiça ande com mais presteza, pois todos sabemos que “justiça tardia, muitas
vezes não é justiça”.
Nesse caso então, que vai se estendendo por quase uma
década, já se sabe que alguns desses reclamantes já faleceram sem ver a cor da
indenização e os efeitos da justiça. Estudos feitos pela FGV, junto às vítimas
atingidas e expostas aos resíduos de ferro, silício e alumínio espalhados e
derramados em vastas áreas, mostram que a expectativa de vida desses moradores
recuou cerca de dois anos e meio em média. Lembrando aqui que os metais pesados
provocam intoxicações que levam a alucinações, paralisia, alterações de pele
entre outros problemas de saúde seríssimos e muitas vezes irreversíveis. Ao
certo, não há como dimensionar um desastre dessa monta tanto em vidas como em
danos ao meio ambiente. O que se tem são aproximações resultantes de uma
sequência sem fim de negociações com essas mineradoras.
Para uma situação tão complexa, até mesmo uma
fundação, de nome Renova, foi criada, sendo posteriormente extinta. De
negociação em negociação, de repactuação em repactuação, a novela trágica do
rompimento da Barragem de Fundão segue, tanto aqui no Brasil, como em Londres,
sede da BHP Billiton. Lá, uma ação coletiva cobra uma indenização de R$ 230
bilhões. Por aqui, pelo mais recente acordo renegociado, está previsto uma
indenização de R$ 170 bilhões a serem pagos aos estados de Minas Gerais e
Espírito Santo. Nessa última rodada, caberão, aos que ainda não foram
contemplados com indenizações passadas, cerca de R$ 35 mil aos moradores e R$
95 mil para os agricultores e pescadores atingidos. Além disso, as empresas
terão que construir casas para aqueles moradores que perderam tudo. É pouco,
pelo sofrimento experimentado e por toda essa tragédia. Mas o que chama a
atenção aqui é que parte dessa indenização, cerca de R$ 100 bilhões que serão
pagos aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, serão parcelados ao
longo de vinte anos. As compensações e recuperações ambientais seguirão nesse
espaço de tempo.
Como sempre acontece nesses casos de atingidos por
barragens em nosso país, ao longo dessas duas próximas décadas, esses recursos
irão se dissolver por ação da burocracia estadual, das pressões políticas, da
corrupção e de outros fatores. Ao final, todos esses processos, assim como a
lembrança dessa tragédia, serão engavetados, esquecidos em algum arquivo morto
das repartições públicas. A situação, como não poderia deixar de ser, escalou
até o Supremo, onde, numa decisão monocrática, o ministro Flávio Dino impôs
restrições aos municípios que contrataram escritórios de advocacia para
resolução desse litígio no exterior, no caso aqui, em Londres, onde esse tipo
de decisão pode ser bem mais rápida do que na justiça brasileira. Nesses noves
anos, o imbróglio de Mariana segue seu curso. A decisão do ministro atendeu ao
pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Para os diretamente prejudicados com o rompimento da
Barragem de Fundão, foi a morosidade da justiça local que os empurrou em
direção a ações judiciais em Londres, sede da BHP. Sobre o assunto, afirmou o
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, “seria muito ruim, que um acidente
ocorrido no Brasil a solução e decisão viesse da Justiça estrangeira.” Ao que
parece, existe um temor junto ao Ibram de que essas ações feitas pelos
municípios brasileiros em Londres possam render indenizações muitos superiores
às obtidas aqui no Brasil. De todo o modo, fica patente que os atingidos por
esse drama não confiam na justiça brasileira.