Observem a conclusão certeira e atualíssima do
professor e jurista Ives Gandra Martins, em seu recente artigo O Direito e o
Poder: “O certo é que o mundo passa por um período de escassez de grandes
políticos, tendo algumas vezes os magistrados assumido mais papel de políticos
do que de julgadores e aplicadores da lei.” Tal situação, que vai nos pegando
de surpresa e espanto a cada dia, poderia, em parte, ser resolvida, caso os
nossos políticos não expressassem, segundo o professor, “o baixo nível de conhecimento
de teorias políticas, por falta de leitura dos clássicos.” Eis aí também uma
lição, sobre a importância de a classe política conhecer, a fundo, a história
do próprio país. Suas raízes, seus frutos bons e seus fracassos.
Para entender toda essa mecânica, que parece ir
empurrando o judiciário nacional e internacional para uma posição de
protagonismo político e ativo dentro do Estado, é preciso aceitar também a
realidade de que “as teorias jurídicas sobre o poder e o Direito são meras
formulações acadêmicas, que os governantes aceitam ou não, conforme a imposição
de sua vontade”. Outra conclusão, é que “aqueles que assumem o poder não estão
preocupados com teorias, apenas sendo quando são obrigados a respeitá-la.”
Nessa ciranda, que vai se desconstruindo à medida em que evolui, o professor
Gandra parece apontar também para o que deveria ser o farol das leis em nosso
país, a Suprema Corte, onde, dos onze ministros nessa função, apenas três
vieram da magistratura
A conclusão que um aluno e admirador desse jurista
pode chegar é que há uma sobrecarga, posições e pressões políticas na balança
da Justiça e isso é um fato inquietador, mas que poderia ser resolvido, segundo
Gandra Martins, se a escolha de magistrados do Supremo ficasse, “não nas mãos
de um único eleitor, o presidente da República”, mas numa lista sêxtupla
apresentada pelo Conselho Federal da Ordem, pelo Ministério Público e pelos
três tribunais federais (STF, STJ, TST). Com essa fórmula, o presidente poderia
escolher um entre os 18 nomes indicados pela cúpula das três instituições e,
necessariamente, oito dos ministros viriam da magistratura e três,
alternadamente, do Ministério Público e da advocacia, preservando-se o
denominado “quinto constitucional”. Toda essa questão a inquietar os que
acompanham essa mutação do Judiciário adquire um contorno mais preocupante
quando se verificam que muitos países, como o Canadá, Israel, Nova Zelândia,
África do Sul e outros, estão atravessando uma verdadeira onda revolucionária
em direção a mudanças significativas constitucionais. Assistimos a uma
avalanche de revisões judiciais, por força de uma ação enérgica e estratégica
de manutenção do status quo de elites políticas e econômicas, na visão agora do
canadense Ran Hirschl, autor do bestseller “Rumo à Juristocracia”.
As decisões nessa novíssima organização política do
Estado ficam agora em mãos e sob a interpretação de juízes não eleitos, não
destituíveis e responsabilizáveis, e, além disso, em regime vitalício, com a
prerrogativa ainda de controlar e gastar como quer o Orçamento que lhes cabe
neste grande latifúndio chamado Brasil.
Há a teoria que crê que o judiciário é sempre mais
previsível que o próprio eleitor e cidadão. Ao se autoconferir um poder de
tutelar a nação, o Judiciário assume um novo perfil, não previsto naquele
calhamaço de papel que forma a Carta de 88. O pior é que esse desvirtuamento
acaba por desembocar no capitalismo de compadrio, revivendo ainda a tese do
“homem cordial”, formado agora pela união de interesses de uma elite poderosa
com membros das altas cortes.
Nesse contexto, que relações poderiam existir entre o
que acontece agora nos escândalos envolvendo a justiça de Mato Grosso do Sul e
essas revoluções constitucionais feitas de cima para baixo? Regressando a Ives
Gandra em seu artigo o Direito e o Poder, vemos que voltamos no tempo e estamos
imitando os israelitas do passado com seu governo de juízes, experiência que o
povo hebreu já conhecia entre 1250 a.C a 1030 a.C, também chamado pelos
historiadores de Período dos Juízes.
A juristocracia, para muitos estudiosos do tema, marca
também o fim da democracia como a conhecemos, desativada e substituída por uma
tecnocracia que passa a ocupar a máquina do Estado, comandando-a sempre em
direção aos próprios interesses. É o tempo também do panconstitucionalismo, em
que todas as questões passam a ganhar um verniz constitucional e nada é vetado
à apreciação dos juízes.
Todo esse fenômeno de mudança vai ainda mais longe,
abarcando interesses econômicos do movimento de globalização ou, mais
precisamente, do globalismo, com um novo e perigoso desenho para a democracia
do futuro com o afastamento da vontade popular.
Memória: Em um suplemento do que hoje é o DODF, Malu Mestrinho encontrou um texto da pianista Neusa França, que lecionou no colégio Caseb. A publicação é de 15 de maio de 1970. Neusa faz o registro de vários nomes importantes que deram, à Brasília, o título de eficiente laboratório musical. Leiam na íntegra, acima.