Aos poucos, as fichas começam a cair, despertando as
pessoas para os enormes malefícios gerados pela liberação desenfreada da
jogatina no país. Neste mundo do faz de conta, os cassinos entraram na vida da
população para subtrair-lhes a saúde mental e as parcas economias, destruindo
pessoas e famílias inteiras, lotando os hospitais públicos com um novo tipo de
enfermo: o otário, reduzido agora a um ser paranoico, a quem os espertalhões de
sempre depenaram sem dó ou piedade.
Nesse caso, fazer boletim de ocorrência na delegacia
mais próxima de nada adianta, trata-se de um roubo ou subtração legalizado. É a
nova modalidade do “conto do Vigário” na forma de um suposto bilhete premiado
ou passaporte para a fortuna fácil. O mais patético e até impensável, mesmo
para os padrões marotos de nosso país, é que o dinheiro usado para as apostas,
nessas casas de jogos online ou Bets, vem também e diretamente do auxílio
concedido pelo Bolsa Família, um dinheiro que veio fácil e que do mesmo modo
será tungado pelos donos desses cassinos.
Depois de fazerem de tudo para aplainar as veredas
para a volta dos cassinos, permitindo que eles atuem por todo o país, as
autoridades ensaiam agora um movimento lento e aparentemente falso no sentido
de pôr uma certa ordem nesse banzé.
O lobby da jogatina é poderoso, dentro e fora das
instituições brasileiras, como no Congresso. Mas quando esse tema escala no
patamar dos problemas nacionais, transformando-se numa real e complicada
questão de saúde pública, não há mais como esconder ou protelar esse verdadeiro
crime institucionalizado.
Atento a esse problema, o Ministério Público Federal
(MPF), que até agora vinha se ocupando em reprimir a direita política, parece
que estuda a possibilidade de entrar com uma liminar visando interromper o
funcionamento de todas as chamadas Bets que atuam de Norte a Sul no Brasil.
Segundo as autoridades, mesmo aquelas Bets que foram autorizadas a funcionar
pelo Ministério da Fazenda poderão ter seus registros cassados. O mais curioso
é que somente agora o governo e o Judiciário se deram conta de um estudo realizado
pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, mostrando
que as Bets podem causar um prejuízo de mais de R$ 117 bilhões anuais à rede e
a estabelecimentos comerciais em todo o país.
Até mesmo o Banco Central já entrou nessa discussão,
mostrando que os recursos mensais arrecadados pelas Bets variam entre R$ 18 e
R$ 20 bilhões. Nesse bolo, os beneficiários do Bolsa Família entraram com nada
menos do que R$ 3 bilhões em pix para as Bets, só em agosto. É o dinheiro do
leite das crianças indo alimentar os gatos gordos da contravenção. Gatunos, que
diga-se de passagem, sempre foram inalcançáveis pela justiça. Mesmo a rede
bancária nacional parece ter acordado para o problema, já que muitas apostas
são realizadas por portadores de cartão de crédito, muitos dos quais já se
encontram inadimplentes.
O mais notável em todos esses novos contos do Vigário
é que os perdedores são os de sempre: a população em geral e o país, que
arrumou agora mais uma sarna para coçar. Mas, talvez, fique o alento de que o
Brasil é, hoje, o primeiro colocado no ranking de usuários de cassinos virtuais
e de apostas, superando países com larga tradição nesses assuntos delituosos.
Não por acaso, quatro grandes instituições que atuam hoje no mercado
brasileiro, como o Itaú, o Assaí, a Tok &Stok e o XP publicaram em seus reportes
um alerta sobre os altos níveis de inadimplência de famílias que vêm aumentando
de forma assustadora nesses últimos meses e que, segundo afirmam, estão sendo
drenados para as casas de apostas online.
No caso do Banco Itaú, observou-se que até o dinheiro
que era guardado em poupança e outras aplicações acabaram sendo desviados para
custear as apostas feitas nessas casas de jogos. Essas verdadeiras lavanderias
online da poupança nacional irão fortalecer um setor específico e muito
particular de nossa economia, representado pelos cartéis do crime organizado,
que têm agora, nessas Bets, um paraíso aberto para a prosperidade de seus
negócios.