A “curva de crescimento” da candidatura de Guilherme
Boulos, para usar a expressão de Geraldo Alckmin, era torcida da imprensa para
ele derrotar Ricardo Nunes e ser eleito prefeito de São Paulo.
A rejeição a Guilherme Boulos bateu em 52% na véspera
da eleição, segundo a pesquisa Datafolha. Ninguém é eleito com a rejeição de
metade do eleitorado
Guilherme Boulos, portanto, perdeu principalmente para
si próprio, e pela segunda vez. Pagou o preço pela sua biografia de militante
radical, por ter livrado o deputado federal André Janones de ser investigado
por seus pares pela prática de rachadinha e, já no final da campanha, por ter
recorrido ao seu caluniador Pablo Marçal para ser cabo eleitoral, jogando
qualquer princípio moral no lixo, para não falar da lealdade ideológica.
Ele perdeu também para o antipetismo. Pagou o preço de
ser apoiado por um Lula
cuja ausência física não cancelou a presença espiritual. O chefão
petista perdeu a aura e jamais voltará a tê-la, seja pelo passado que o condena
mais do que metaforicamente, seja pelo peso dos anos, do qual o episódio da
queda no banheiro é dolorosamente exemplar, seja pelo terceiro mandato que só
deixa a desejar aos poucos que se iludem em esperar algo de quem não entendeu
que o país não é mais definido por uma massa a soldo do assistencialismo
eleitoreiro.
O PT e
a esquerda vassala do partido foram dizimados em São Paulo. Os petistas
elegeram quatro prefeitos no vasto universo de 645 municípios do estado. Apenas
dois a mais do que em 2020, quando Lula não era presidente.
No universo menor, mas nem por isso pequeno, das 30
cidades paulistas com mais de 200 mil habitantes, o PT obteve vitória em Mauá e
ponto final. Perdeu a reeleição em Diadema, o seu último grande bastião no ABC,
berço do partido.
São Paulo é espelho iluminado do que ocorreu no
restante do país. Contas feitas nacionalmente, o PT não renasceu, como sonhava
a sua cúpula. Só conquistou uma capital, Fortaleza, e de maneira muito suada.
Até tu, Nordeste. Mas há quem venda como vitória: o PT não tinha nenhuma, agora
tem uma capital. O copo cheio chega a ser divertido de tão vazio.
A derrota de Guilherme Boulos tem sabor duplamente
amargo para Lula, visto que o chefão petista o considera seu herdeiro político,
apesar de pertencer formalmente ao PSol. Essa aposta contou, e bastante, para o
PT não ter tido, pela primeira vez na sua história, candidato próprio à
prefeitura de São Paulo.
Antes de Lula ser preso por corrupção e lavagem de
dinheiro, em 7 de abril de 2018, Guilherme Boulos estava ao lado do chefão
petista no palco daquela pantomima de resistência encenada no Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Ao despedir-se do psolista, o
chefão petista disse: “Você tem futuro, meu irmão, é só não desistir nunca”.
Dias depois, em entrevista televisiva, o companheiro
do PSol foi indagado sobre se achava que era herdeiro de Lula. Guilherme Boulos
respondeu: “Só os mortos têm herdeiros”. Quando morrer para a política, Lula
não deixará herdeiro à altura do seu tempo de glórias, nem no próprio partido,
nem na esquerda
que se coloca como alternativa. O herdeiro será do seu presente
decadente.
Après mois, le déluge (“depois de mim, a inundação”), teria dito Luís
XIV, o Rei Sol francês. Estamos assistindo à inundação pós-reinado lulista.
PS: para fechar com chave condizente a campanha em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas disse que o PCC orientou o voto em Guilherme Boulos, segundo conversas interceptados pela inteligência da administração penitenciária do estado. A esquerda ficou revoltada e acusa o governador de crime eleitoral. Vejamos as provas apresentadas mais detidamente. De qualquer forma, o escândalo na esquerda tem forte componente hipócrita. A esquerda é leniente com criminosos, todos são considerados “vítimas da sociedade”, e é consequência lógica que a malandragem tenha preferência por ela.