Com a formação das diversas bancadas, da bala, do boi, da Bíblia e de
outros grupos dentro do Congresso, um fenômeno vai aos poucos se instalando
dentro do quadro político nacional. Trata-se de um lento e progressivo
deslocamento do centro de gravidade política dos partidos para esses grupos. As
legendas passam a ter seus espaços encolhidos, restando-lhes a função de
chanceladoras das questões dentro do plenário.
O Colégio de Líderes, de certa forma, também contribui para o
esvaziamento da função individual do parlamentar. Sem uma reforma política,
digna do nome, e com os diversos remendos açodados feitos, o funcionamento dos
partidos vai, aos poucos, perdendo sua ligação com as bases e os reais desejos
dos eleitores, ao mesmo tempo em que, abastecidos com larga soma de recursos
públicos, deixam de entender a realidade, voltando, cada vez mais, para os
próprios interesses.
Estivessem, como acontece com as grandes democracias do planeta,
preocupados com a participação de cada eleitor, arrecadando de cada um, níquel
por níquel, prestando contas aos cidadãos dos gastos com campanhas enxutas e
objetivas, os partidos poderiam, verdadeiramente, sentir, o quão árdua é a vida
política. O que nos países desenvolvidos se chama de base política é justamente
o mutirão formado por eleitores de determinado partido para, juntos, levarem a
proposta daqueles líderes mais preparados para o cenário nacional.
A nababesca soma de recursos arrancadada compulsoriamente dos cidadãos,
por meio de leis corporativistas para o custeio de fundos eleitorais e
partidários, distorce o próprio sentido dos partidos transformando-os numa
espécie de lojinhas onde tudo é negociado e onde elementos da compliance e da
ética simplesmente inexistem. São essas distorções, vindas de todos os lados,
que acabam gerando o que os cientistas políticos chamam de crise de
representatividade.
Para complicar o que em si já é ininteligível, a multiplicidade de legendas
sem proposta e de olho apenas nos fartos recursos corrompe a própria
democracia, desgasta o sistema de representação e acaba por refletir nos outros
Poderes, à medida que as funções características do Legislativo de
fiscalização, nomeações, ratificações e outras ficam contaminadas.
Dessa forma, o exercício da democracia fica restrito aos conchavos, às
negociações de bastidores e aos acordos longe do conhecimento do público.
Existe, e ninguém em sã consciência pode negar, uma forte demanda do eleitorado
por um ambiente mais transparente e ético dentro das legendas.
O impedimento, feito por medidas casuísticas e suspeitas, de
fiscalizações e accountability dos milhões recebidos dos contribuintes faz dos
partidos as instituições mais opacas e criticadas hoje pelos brasileiros. Como
devem explicações apenas a si próprios, contando ainda com o beneplácito da
Justiça Eleitoral e dos tribunais de contas, os partidos se alienaram da
realidade que ocorre fora dos muros envidraçados do Congresso, passando a girar
em torno apenas do próprio umbigo.
Ele: Foi
bonita a cena na principal avenida de Nova York. Os placares em que as melhores
marcas aparecem estimulando o consumismo, por alguns segundos, se apagaram, e
imagens do dono do Natal apareceram para aquecer o coração de quem via as
cenas. Veja acima...(Vídeo ~~~)
(*) –> Donald Trump reeleito: como ficarão Inteligência
Artificial, Estados Unidos vs. China? Alguma chance para o Brasil?
Donald Trump foi reeleito nos Estados Unidos para mais um mandato
presidencial (2025-2029) e existem várias agendas internacionais que serão
profundamente transformadas com a rivalidade intensa a ser travada com a China
no campo das tecnologias emergentes e da Inteligência Artificial (IA). Para
além do prometido tarifaço, da guerra comercial e do abandono das políticas
comerciais multilaterais desde a já moribunda Organização Mundial do Comércio –
OMC, quatro anos de presidência de Donald Trump terão impactos arrebatadores.
Eles serão sentidos na corrida entre os países, projetando-se um controle mais
intensivo de oferta por China e EUA, e elevação de preços aplicados a bens,
serviços tecnológicos que serão cobrados dos países adquirentes de tecnologias.
Por outro lado, há áreas no Brasil que podem se beneficiar da corrida e
disputa tecnológica EUA-China, desde agentes da indústria que fornecem insumos
e serviços para ciclo de IA, como no campo de processamento de dados (data
centers), geração, distribuição e comercialização de energias (especialmente as
energias limpas, renováveis), além da possível ampliação e instalação de
plantas para desenvolvimento e fabricação de chips processadores, e assim por
diante. Depende muito, no entanto, de como o Brasil realmente possa encarar
esse cenário e projete atrativos para que essas frentes possam prosperar.
Faz bem tanto o Executivo brasileiro, e especialmente o corpo
diplomático negociador do Itamaraty, mundialmente reconhecido por sua
excelência capacidade e qualidade técnica, de manterem boas relações com dois
países – EUA e China-, sem cair em armadilhas ideologizantes ou serem pilhados
por discursos extremistas na política e economia. Nessa fase, acreditem, será
muito difícil recuperar qualquer sentido mais estratégico dos foros
multilaterais, G8, G20, Brics e as organizações internacionais, e por isso, o
Brasil deverá concentrar esforços seletivos.
Vamos às principais análises. (*) IA como motor
econômico nacional. Nos últimos anos, o desenvolvimento da IA evoluiu de uma
iniciativa eminentemente científica e econômica para um ponto central de
estratégia de segurança nacional por governos e alavancagem de novos negócios
pelos grandes conglomerados e BigTechs. Durante a primeira presidência de
Donald Trump, a mudança se consolidou em uma atitude estratégica que lidava com
IA enquanto campo essencial de competição entre as superpotências globais, principalmente
entre os EUA e a China. Saindo da posição meramente de defesa e segurança, IA
foi transferida para uma ótica competitiva do ponto de vista comercial e
tecnológico. Daí porque o primeiro governo de Trump já havia enfatizado a
necessidade de superar a China em capacidades de IA para preservar três pilares
– segurança nacional, superioridade militar e indústria de tecnologias dos
Estados Unidos. Não há nada que modifique drasticamente essa visão para o
segundo mandato, o que já estava em curso no governo Joe Biden. A diferença
será a sede de ‘vingança’ em um cenário pós-pandêmico e que terá a IA como uma
das bandeiras de expansão ou tentativa de influência tecnológica pelos EUA –
padrões, standards, práticas e a aparente efetividade da autorregulaçao por
setores da indústria de IA.
(§) Estabelecendo a IA como uma prioridade estratégica: A Ordem
Executiva de 2019 de Trump sobre IA foi a primeira tentativa dos EUA de
apresentar um arcabouço mais amplo para estruturar as políticas sobre a
tecnologia, incluindo diretrizes para sua adoção por agências federais e o
financiamento de pesquisas por iniciativas governamentais. Essa medida
normativa abriu o caminho para políticas subsequentes, culminando na Lei
Nacional de Iniciativa em IA de 2020 (‘National AI Initiative Act’), que
direcionou recursos para pesquisas em IA de caráter não militar, portanto, para
fins comerciais de aplicação na indústria. Sem nenhuma surpresa, esse marco
reforçava a iniciativa frequente dos EUA de apoiarem e subvencionarem pesquisa,
desenvolvimento e inovação na indústria, como boa parte do que ocorreu entre as
décadas de 1980 e 2000 no Vale do Silício. Nenhum negócio de alto impacto e
estratégia transformadora, vale lembrar, nasce de uma ‘garagem’, ao contrário
do que as lendas diziam e ainda vendem por aí. Existem universidades,
institutos, centros de pesquisa e aportes governamentais e da indústria
intensivamente aplicados. Trump soube manejar o próprio Congresso
norte-americano e nesse ponto republicanos e democratas se aliaram para a
produção de leis de incentivo. Somente no Brasil a desinformação é tamanha a
ponto de acreditar, como fazem alguns setores da mídia tradicional, ‘best
sellers’ e ‘coaches’, que tudo isso costuma vir de uma garagem ou de um único e
genial guru de tecnologias. Até IA responde melhor se perguntada com os
parâmetros (‘prompts’) adequados.
(§) Estabelecendo IA como “corrida armamentista turboglobalizada” e
tensões com gigantes da tecnologia: A retórica de Trump frequentemente
apresentava a IA como uma corrida entre os EUA e a China, uma “disputa
transformadora”. As políticas energéticas dos EUA dariam às empresas americanas
‘vantagens comparativas’, um termo muito caro às teorias do comércio
internacional, as quais, curiosamente, os governos brasileiros rechaçaram nas
últimas décadas e sacralizam a dependência de uma política comercial com
exportações agrícolas e desmantelamento de tudo mais que fosse possível nos
campos de ciência, tecnologia e inovação e na indústria doméstica. Fale-se mal
ou fale-se bem, a campanha de Trump visualizava duplamente IA como um ativo
econômico (daí rivalizar com a China nas relações comerciais envolvendo
tecnologias) e componente de segurança nacional, especialmente diante de
ameaças e possíveis ingerências externas por meio de operações de influência e
ataques cibernéticos, no conjunto dos grandes eventos e processos de
cyberwarfare. Em contrapartida, as iniciativas estatais chinesas, fortemente
financiadas pelo Estado e centradas no interesse nacional expandindo atividades
de conglomerados chineses de tecnologias digitais e IA exemplificaram a
abordagem centralizada para a dominação tecnológica. Esse aspecto elevou a
pressão sobre os formuladores de políticas dos EUA para acompanhar o ritmo das
incursões sino-tecnológicas. Nesse meio tempo, e apesar de priorizar a IA,
Donald Trump passava boa parte de seu primeiro mandato vociferando contra
gigantes da tecnologia, acusando-as de serem parciais contra a campanha
negacionista e os rompantes ultraconservadores do presidente e até de serem uma
ameaça maior às eleições do que atores estatais como a Rússia. Durante o
primeiro mandato de Trump, o Executivo lançou um conjunto medidas regulatórias
tendo como alvo Big Techs no campo comercial e antitruste, levantando alegações
de supostas práticas de censura dessas empresas como ameaças à integridade
democrática dos Estados Unidos. Na visão de especialistas dentro dos EUA, essas
ações revelaram uma espécie de casamento de conveniência de Trump com a
indústria de tecnologias: enquanto a condenava publicamente, dela dependia para
avanços tecnológicos. Sendo mais cauteloso quanto às ações concretas contra
BigTechs, “mais latia do que mordia”.
(§) Criptomoedas e Soberania Digital: O apoio de Trump às
criptomoedas e a ideia de um estoque nacional de bitcoin representaram uma
grande divergência das práticas bancárias centralizadas, alinhando-se com a
resistência do Partido Republicano quanto à criação de moedas digitais dos
bancos centrais (CBDCs) pelos estados e maior monitoramento e controle de
transações envolvendo criptomoedas. A posição defendida pelo governo Trump
então refletia uma visão mais ampla de autonomia digital, na qual criptomoedas
são vistas como ferramentas para a liberdade econômica, para o
empreendedorismo, para a ‘disrupção’ do monopólio de moedas fiduciárias
reguladas pelos estados. Contudo, qualquer discussão sobre criptomoedas suscita
questões mais complexas sobre regulamentação, segurança, confiança, riscos
financeiros potenciais e incentivos para práticas ilícitas transnacionais, como
lavagem de dinheiro, corrupção, financiamento ao terrorismo e armas de
destruição em massa. Esses aspectos poderão levar os Estados Unidos, no segundo
mandato de Trump, a revisar certas políticas em curso, como a relutância dos
EUA em fazer avançar a discussão sobre temas monetários digitais em
organizações como FMI, Banco Mundial, dentre outros. Paralelamente, o governo
receberá a pressão dos setores financeiro e bancário tradicionais (os
incumbentes) dos EUA pelo fato de que qualquer movimento muito enfático ou
entusiasmado sobre as moedas digitais, cripotmoedas e transações com
criptoativos esbarra na influência prática e atração simbólica exercidas pelo
dólar estadunidense. Ainda que padrão dólar-ouro tenha sido extinto em 1971,
mantido vigente desde a criação das instituições do sistema econômico
internacional – FMI e Banco Mundial – na Conferência de Bretton-Woods em julho
1944, a moeda dos EUA é que sustenta a racionalidade da conversão monetária,
câmbio e as reservas internacionais. Ou tudo isso agora seria simplesmente
insignificante, passados 80 anos?
(*1.) Cibersegurança como Defesa Nacional: Reconhecendo o crescente
cenário de ameaças, as políticas de Trump centraram-se em temas de resiliência
cibernética e no empoderamento da Agência Nacional de Segurança (NSA), além de
outros órgãos de defesa, inclusive com colaboração não-transparente de empresas
de tecnologia quanto à compartilhamento de dados de cidadãos e vigilância
cibernética. Trump expandiu as capacidades ofensivas do Comando Cibernético dos
EUA, seguidas de uma Ordem Executiva em 2019 para lidar com a escassez de
profissionais em cibersegurança (“America’s Cybersecurity Workforce”), um
desafio que permanece crítico em vários lugares do globo. O primeiro mandato de
Trump fez mais incursões no campo da cibersegurança de modo também
sensacionalista, sobretudo para angariar apoiadores e teóricos da conspiração.
O argumento principal estaria na ideia de que segurança da infraestrutura
tecnológica dos EUA devesse passar a um tema vital de segurança nacional,
especialmente à medida que ameaças cibernéticas se proliferem globalmente. Do
lado comercial, no entanto, existe maior aderência a preocupações legitimas
sobre defesa cibernética, como o fato de que existem empresas hoje
especializadas em desenvolver serviços para ataques cibernéticos, incidentes de
segurança de informação, roubo e vazamento de dados. Até o Brasil tornou-se
laboratório de agentes de pequeno e médio porte para escala comercial, vendando
internamente e exportando serviços de crimes cibernéticos (CaaS) para práticas
de golpes digitais e outras condutas ilícitas do ponto de vista cibernético.
Mas nunca, é claro, a ponto de fazer frente ao que Rússia, China, Israel e o
próprio Estados Unidos desenvolvem no campo militar e vigilância de civis e que
representam uma ameaça, sim, à proteção da paz, segurança internacional e dos
direitos humanos como compromissos dos Estados desde a criação da ONU em 1945.
Para o Brasil, o cenário de acirramento comercial e tecnológico entre
China e EUA e demanda por mais serviços em IA pode ser considerado favorável, a
depender, como mencionado, da forma como serão conduzidas as relações com os
países e indústria de tecnologia. Resumo em sete pontos:
(*1) Posição como hub protetivo e sustentável de dados na América
Latina: Com o aumento da demanda por processamento de dados, o Brasil pode se
tornar região atrativa para instalação de data centers de empresas estrangeiras
e brasileiras, atraindo investimentos na construção e manutenção de data
centers e abastecimento por plantas da indústria de energia, especialmente
promissora e já com forte pegada sustentável no Brasil. A infraestrutura não
apenas fortalece a capacidade nacional de armazenamento e processamento de
dados, mas também possibilita um avanço no desenvolvimento de IA local e
regional, com a possibilidade de estruturas de transferência internacional de
dados facilitada pelos padrões de proteção de dados adequados, desde a
legislação vigente (LGPD) como regulamentação da ANPD.
(*2) Energias Limpas e Independência Tecnológica: Com o interesse global
crescente em fontes de energia limpas e renováveis, o Brasil pode reforçar seu
papel como líder em energias renováveis, especialmente com a expansão de
energia solar, eólica e biomassa. Esse movimento deve atrair indústrias
dependentes de energias limpas e grandes consumidores de energia, como os data
centers e indústria de serviços baseados em tratamento intensivo de dados, além
de servir de base para fabricantes de semicondutores e chip processadores (insumos
para industria de IA) e novos data centers, que buscam fontes sustentáveis de
energia e mais acessíveis para suas operações, inclusive quando são feitas em
escala transfronteiriça (por exemplo, Estados Unidos-Brasil).
(*3) Inovação e Desenvolvimento de IA em Áreas Locais: O Brasil possui um
mercado interno vasto e diversificado que permite testar e desenvolver
tecnologias de IA aplicadas a diferentes setores, como saúde, agricultura,
transporte e serviços financeiros. Políticas e incentivos à inovação em IA
podem estimular startups e empresas locais a desenvolver soluções tecnológicas
específicas para a realidade brasileira, criando um ecossistema robusto e
competitivo para o país no cenário da IA
(*4) Expansão de Capacidades de P&D em Tecnologias Emergentes: Os
setores público e \ privado no Brasil devem incentivar e atrair mais
investimentos para colaboração acadêmica em Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) de tecnologias emergentes, tornando-se polo alternativo de inovação
científica e tecnológica em áreas como IA e robótica. Do ponto de vista de leis
e regulamentos, esse tipo de programa pode ser feito por meio de incentivos
fiscais, apoio governamental a institutos de pesquisa e parcerias com
universidades e empresas interessadas em ampliar esse segmento ou cluster da
indústria de tecnologias emergentes.
(*5) Diplomacia Estratégica Comercial, Tecnológica e de Inovação.
Mantendo uma posição equilibrada no jogo potencialmente destrutivo entre EUA e
China, o Brasil pode buscar tratos mais social e tecnologicamente interessados
em suas frentes negociações com os países e em foros internacionais,
particularmente se houver perda de participação de Estados Unidos, por exemplo,
e mais abertura por parte da União Europeia, Coreia do Sul, Japão nesses
campos. A diplomacia científica e tecnológica pode se tornar uma ferramenta
fundamental para atrair investimentos, fortalecer cooperação científica e abrir
portas para parcerias estratégicas, para que o Brasil possa servir de ator
confiável no cenário global de tecnologia e com amplo mercado para expansão.
Sócio de Inovação e Tecnologia e Solução de Disputas de L.O. Baptista.
Fundador de LOTech. Professor Associado de Direito Internacional, Direito
Comparado e Novas Tecnologias da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.