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Vícios e virtudes

Vícios e virtudes

Dizer que todos os cidadãos de um país estão aptos para a participação política é uma coisa. Outra diferente é afirmar que todos os cidadãos estão aptos para assumir o governo e lá adotar as políticas que a nação anseia. Nesse ponto, eleitores e eleitos deveriam se equivaler, pelo menos do ponto de vista ético. Não é por outra razão que a construção de uma democracia requer, desde seus primórdios, que haja, no seio da sociedade, uma comunidade moralmente boa. Esse pré-requisito é ainda mais cobrado daqueles que, por ventura, vierem a manifestar o desejo de governar. E é aí que a situação escala para outro patamar.

É impossível se alcançar uma pacificação social, outro pressuposto necessário para toda democracia, quando se verifica que aqueles grupos que apoiam cidadãos sem escrúpulos políticos e que recorrem a instrumentos imorais possuem os mesmos direitos políticos que quaisquer outros grupos dentro da sociedade. Votar é, ou deveria ser, um exercício de cidadania. Como tal, deveria se restringir àqueles que gozam desse direito.

Nesse ponto, deixa de ser racionalmente ético permitir que indivíduos privados da liberdade, por crimes de diversas naturezas, possam exercer o direito de voto. Tal impasse não parece possuir amparo do ponto de vista dos direitos da cidadania. Para o cidadão, não pode haver um verdadeiro estabelecimento da paz e da harmonia, dentro da sociedade, quando se observa que, mesmo dentro de presídios de alta segurança, a força do crime organizado influi direta e indiretamente nas eleições.

O prolongamento dos braços do crime organizado para dentro da política, mesmo sob os olhares indiferentes das autoridades, produz, no seio da sociedade, um desânimo com relação às eleições, tornando o Legislativo ainda mais distante dos anseios da população. Há muito, se sabe que a força do dinheiro tem dilapidado, entre nós e em outras partes do mundo, os valores democráticos, transformando a escolha de candidatos numa verdadeira roleta russa. Mais do que coerção, o Estado deve buscar e fazer prevalecer os valores e virtudes democráticas, porque sem elas não pode haver coesão social. A questão se torna ainda mais difícil quando o próprio Estado passa a considerar questões da ética na política uma questão menor.

Embora o Estado, em si, seja, na sua origem, uma construção amoral, deveria caber a ele requisitos a impedir que a imoralidade no trato da coisa pública contamine suas ações e razão de ser. A descrença da população com relação às coisas do Estado e da política tem sua origem na crença de que é possível ascender as mais altas esferas da administração mesmo com as mãos sujas e um currículo de dar inveja aos criminosos mais perigosos. Isso, em outras palavras, torna claro que os vícios encontrados naqueles que assumem a direção do Estado, passam a fazer parte consolidada do Estado, contaminando toda a máquina.

Para alguns estudiosos do assunto, o Estado, mesmo sendo uma construção humana, é um ente inumano e indiferente a sentimentos e outras manifestações de ordem moral. Mais ainda como pode ele reger cidadãos que prezam pela ética pública?  Qualquer um é aceito no leme e comando do Estado, desde que seu comportamento não afete a harmonia e a serenidade entre os cidadãos. Mas, ainda assim, esse é um processo perigoso para a democracia. Em se tratando da correlação entre o ser humano e o Estado, é preciso estabelecer antes, alguns parâmetros que façam os cidadãos perceberem que as ações do Estado são justamente aquelas que escolheriam para decidir fatos corriqueiros em seu cotidiano.

A Declaração dos Direitos Universais do Homem aceita mundialmente, deve ser o ponto de partida e a essência a ser buscada quando da construção de um Estado moderno e eficiente. De alguma forma, essa capacidade do ser humano em cuidar de si e dos seus, deve ser também transferida ao Estado, dando a essa entidade a capacidade de agir conforme esperam os homens, amparando-os e defendendo cada um quando necessário. Claro que isso é o ideal. Mas o Estado desconhece o que seja ideal e age segundo o desejo daqueles que estão com a mão colada no leme. E é aí, que a questão se complica pela segunda vez.

Nesse ponto, temos que os vícios e as virtudes, quer queiramos ou não, são repassados ao Estado e deste para os cidadãos. Aqui verificamos que um mau Estado é sempre aquele que é comandado por indivíduos maus. O que não pode ser descartado aqui, à despeito de um Estado sem alma ou sentimentos, é que a ética deveria se constituir no principal leitmotiv do Estado. Sem ela, nem o mais avançado modelo de Estado não possuirá forças para avançar e ser o que deve ser. Esse é um problema para todos, principalmente para nós brasileiros.

A frase que foi pronunciada: “Negar às pessoas os seus direitos humanos é desafiar a sua própria humanidade.” (Nelson Mandela)

Circe Cunha e Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Fotos: Congresso Nacional. Foto: EBC - Nelson Mandela em Johannesburg, Gauteng, em 13 May 2008. Foto: wikipedia.org – Correio Braziliense




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