O ano de 2024 se encerra com o Brasil
atolado na pior situação que viveu, em matéria de respeito às liberdades
individuais e aos direitos humanos, desde o fundo do poço da ditadura militar.
O ano de 2024 começou mal; está acabando ainda pior, pois nada do que podia
melhorar na “democracia” no Brasil melhorou, e quase tudo que podia afundar mais
afundou. O resumo da ópera, para quem não tem paciência com palavrório de
analista político, é o seguinte: o saldo de 2024 é que o Brasil não tem mais
uma Constituição, nem aquela marca barbante que vem caindo pelas tabelas desde
1988. Em lugar de Constituição, tem um inquérito policial.
É essa a nossa lei máxima há quase seis
anos, desde que foi imposta aos brasileiros pelo STF: o inquérito sem data para
acabar, sem limites para o que pode fazer e sem esperanças para as suas vítimas
(pois não há ninguém acima para o cidadão recorrer), que o ministro Alexandre
de Moraes comanda para reprimir a oposição ao regime Lula-Supremo.
O inquérito de Alexandre de Moraes,
enfim, pode tudo – se pode condenar pessoas a 17 anos de cadeia sob a acusação
de tomar parte num “golpe armado” onde as armas mais perigosas eram estilingues
e bolas de gude, é óbvio que não há limite para nada
Nenhuma lei brasileira tem mais força
que esse procedimento de delegacia de polícia. Nada do que Moraes ou seus
agentes decidem ali pode ser contestado por ninguém. Nenhuma autoridade pública
do Brasil manda mais do que ele. Nenhum cidadão ou seus advogados podem exigir
que os direitos constitucionais a que fazem jus sejam respeitados por Moraes e
por sua Polícia Federal.
Essa lei suprema, que jamais foi
discutida, votada ou aprovada por Congresso Nacional algum, acaba de ser
“prorrogada” por mais “seis meses” – ou seja, até anúncio oficial em contrário,
está aí para sempre. O presidente do Supremo, molemente, murmurou tempos atrás
que o inquérito iria ser encerrado este ano. Não foi. No Brasil, o ano de 2024
já acabou e Moraes não tomou conhecimento do que o presidente do STF disse. Na
verdade, na única vez que falou de datas para o encerramento do inquérito, ele
disse o seguinte: “Acaba quando acabar”. Não voltou mais ao assunto.
O inquérito ilegal que governa o Brasil
de 2024, como o AI-5 governava a ditadura dos militares, se move no escuro.
Nada é feito em público e à luz do sol, como a lei exige – tudo se faz em
“segredo de Justiça”, sem que os indiciados saibam do que estão sendo acusados,
sem que os advogados possam ler o que a polícia não quer que leiam e sem que o
Congresso Nacional tenha qualquer possibilidade de fiscalizar nada. Nesse
inquérito há o flagrante perpétuo, a prisão preventiva por tempo indeterminado
e o julgamento por lotes, como se faz em leilão de gado. O cidadão pode ser
punido por falar o que ainda não falou. Podem bloquear sua conta no banco,
proibir você de falar no WhatsApp e confiscar seu passaporte.
O inquérito de Alexandre de Moraes,
enfim, pode tudo – se pode condenar pessoas a 17 anos de cadeia sob a acusação
de tomar parte num “golpe armado” onde as armas mais perigosas eram estilingues
e bolas de gude, é óbvio que não há limite para nada. É óbvio, também, que nem
o ministro, nem seus colegas e nem qualquer força que os apoie têm o mais
remoto interesse em defender democracia nenhuma. O que querem é chegar ao fim
de 2025 numa ditadura mais avançada do que a que construíram até
agora.