É sabido que, em nosso país, a cada enxadada, mais e mais minhocas vão
brotando do chão. Essa sentença seria positiva se fosse apenas uma referência à
fertilidade do solo brasileiro. Ocorre que esse antigo ditado popular se refere
justamente a uma nefasta herança cultural e política que faz com que, quanto
mais se investiga um caso suspeito neste país, mais e mais vão surgindo fatos a
demonstrar ramificações e ligações profundas do escândalo com pessoas poderosas
dentro e fora do governo.
O melhor, então, é não investigar ou investigar sem chegar a conclusões
definitivas, ou mesmo deixar que o assunto caia no esquecimento e vá parar no
fundo de uma gaveta empoeirada e escura nos labirintos burocráticos dos
arquivos mortos. Exemplos desse aparecimento de minhocas em nossa história logo
no início de investigações são inúmeros e provam que a maioria dessas
investigações, por suas possíveis e perigosas repercussões nos altos escalões,
é logo deixada de lado. Afinal, a vida segue, a memória é curta e o melhor é
não cutucar vespeiros.
Para quem se interessa pelo assunto, basta estudar as centenas de
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) ou as operações deflagradas pela
Polícia Federal ao longo das últimas décadas. A situação é tão surreal que
muitas dessas investigações, iniciadas há anos, sequer tiveram ainda um
ponto-final, ficando as evidências suspensas no ar.
As CPIs continuam, no entanto, a representar um dos dispositivos mais
importantes do Poder Legislativo para investigar ações duvidosas dos governos.
O problema aqui é que, quando uma dessas investigações ganha corpo, pelo número
de assinaturas de apoio, logo os envolvidos cuidam de indicar nomes de sua
bancada para fazer desandar os trabalhos dentro dessas comissões.
Também aqui os exemplos são diversos. Os dois presidentes que mais foram
alvo de CPIs são Collor e Lula, por razões diversas, sendo que a CPI do Collor,
também chamada de CPI do PC Farias, acabaria no impeachment daquele presidente
em 1992. Anos depois, o Supremo Tribunal Federal o absolveu por falta de provas
nas acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Esse caso é curioso,
pois, em maio de 2023, o próprio Supremo, por maioria dos ministros, condenou o
ex-presidente a pena de oito anos e 10 meses em regime fechado. O caso ainda
não teve um desfecho.
Com a saída de Collor, um ano depois tem início a CPI dos Anões do
Orçamento, em 1993, quando uma comissão passou a investigar desvio de dinheiro
do Orçamento da União por deputados e senadores que manipulavam as emendas
parlamentares com o objetivo de desviar esses recursos para o próprio bolso.
Seguiu-se a CPI do Judiciário em 1999, que apurou denúncias de corrupção nos
tribunais, com desvios de verbas públicas destinadas às obras do TRT paulista.
Já em 2003, foi instalada a CPI do Banestado, cujo relatório final,
pedindo o indiciamento de 91 pessoas, não foi sequer votado. Em 2005, tem
início a CPI dos Correios. Nessas investigações, a cada enxadada, iam se
descobrindo novas ninhadas de minhocas, com esse escândalo redundando no
chamado Mensalão, em que a prática de compra de parlamentares pelo então
governo foi revelada.
Vem depois a CPI dos Bingos, que investigou o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu. Por suas trapalhadas, essa CPI passou a ser conhecida como CPI do
Fim do Mundo, já que arrolava praticamente todas as autoridades do Executivo ou
ligadas a ele. Um ano depois, é criada a CPI dos Sanguessugas, que passou a
investigar 69 deputados e três senadores acusados de desviar recursos da área
de saúde. Nenhum deles foi punido.
A CPI que não houve, ou seja, a CPI da Lava-Jato, não teve futuro, já
que os próprios envolvidos no maior escândalo de corrupção da história deste
país queriam investigar não os meliantes e os poderosos envolvidos, mas a
força-tarefa do Ministério Público encarregada das investigações. Coube à então
Polícia Federal, num tempo infensa a ideologias exóticas, cuidar desse
escândalo, que resultou, pela primeira vez em nosso país, na prisão de
poderosos e intocáveis, posteriormente inocentados, um a um, pelo Supremo.