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O torturador de leis e de pessoas

O torturador de leis e de pessoas

O Brasil já foi o país do futebol, mas ainda é o país do carnaval (que, é verdade, também piorou muito...). O Brasil não é mais o país do futuro, nunca foi um país sério... Somos o país da piada pronta, e a piada é com a nossa cara. Somos o país da hipocrisia, aquela do tipo mais descarado, que nem demanda muito esforço para ser apontada. Somos a nação da mentira criada e disseminada pelos poderosos, de narrativas mambembes, que essa semana ocuparam 272 páginas de uma denúncia fajuta contra Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas.

Como levar a sério uma denúncia que precisa de páginas e páginas de balela, que tem muita enrolação e carece de provas? Como levar a sério uma denúncia que começa com “uma introdução necessária”, que vai assim: “Uma democracia que não se protege não resiste às pulsões de violência que a insatisfação com os seus métodos, finalidades e modo de ser podem gerar nos seus descontentes. A defesa da democracia se realiza em vários níveis de intensidade institucional. Todos os poderes recebem do constituinte originário parcelas de responsabilidade para salvaguardar o regime de convivência jurídico-político-social escolhido em assembleia constituinte soberana”.

Sim, como já disse, a piada é com a nossa cara, e envolve narrações de fatos esparsos, concatenados conforme o interesse dos poderosos de ocasião, que miram seus opositores e a eles podem imputar uma infinidade de crimes. A criatividade é esparsa, tem edições mirabolantes, tem malabarismos, contorcionismos, uma impossibilidade gritante, mas diabólica. Quem os poderosos acham que enrolam? É ultraje (palavra que na denúncia saiu grafada com ‘g’) e menosprezo. É bizarro. E não faz mesmo o menor sentido discutir o mérito da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados porque todo o processo está repleto de nulidades.

"A piada envolve narrações de fatos esparsos, concatenados conforme o interesse dos poderosos de ocasião, que miram seus opositores e a eles podem imputar uma infinidade de crimes"

Desde 2019, o Brasil tem um estado de exceção, com uma estrutura jurídica macabra voltada para perseguir os conservadores. E ministros do STF não se acanham em dizer que “derrotaram o bolsonarismo” e que “Lula só voltou à presidência graças ao Supremo”. Nesse caso, isso é a pura verdade. E o processo começou com a destruição da Lava Jato. Resolveram encontrar problemas nos contatos entre o juiz Sergio Moro e procuradores envolvidos na operação... Agora acham normais as reuniões entre ministros do STF, Lula, ministro da Justiça, advogado-geral da União e procurador-geral da República para acertar uma denúncia desconjuntada por si só.

Quantas irregularidades cometeu a Lava Jato... Que gente horrorosa aquela que combatia o maior caso de corrupção do mundo... Gilmar Mendes ficou indignado, se emocionou, pensando nos “injustiçados” pela operação: “As pessoas só eram soltas, liberadas depois de confessarem e fazerem delação premiada ou acordo de leniência. Isso é uma vergonha, e nós não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura”. E, obviamente, no país da hipocrisia, Gilmar Mendes não enxerga nada parecido com isso no comportamento de Alexandre de Moraes... É tanto abuso, tanto arbítrio, tanta ilegalidade, mas o Brasil nunca foi mesmo um país sério...

Na sua denúncia fajuta, Paulo Gonet, ex-sócio de Gilmar Mendes, fazendo questão de enterrar sua carreira, usou o “acordo de delação” do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. O procurador-geral da República deve saber bem que, quando Alexandre de Moraes cisma, “é uma tragédia”. O “gabinete da criatividade” acabou o abarcando, sem qualquer interesse, como sempre, no cumprimento das leis. Ora, quem firma acordo não são procuradores e policiais? Não são eles que colhem depoimentos, que fazem interrogatórios? Não são eles os únicos autorizados a fazer isso?

Viramos um país em que as leis, existentes e inexistentes, são propriedades particulares de um só ministro do Supremo. Ele decide. A despeito de tudo, ele não vai ficar restrito a analisar a voluntariedade e a legalidade de um acordo. Por quê? Ele pode ser um policial, um investigador, um procurador, ele pode ser uma suposta vítima, parte do processo, ou parte interessada nele, pode ser um juiz... Olhem para Alexandre de Moraes, ele pode ser o que bem entender, com a cumplicidade e a omissão dos outros ministros do STF.

Acontece que criatividade nem sempre basta, é preciso partir para ameaças. E assim foi feito por Moraes contra Mauro Cid, e não apenas ele. Ao “tem muita gente para prender, muita multa para aplicar” juntam-se agora “não vai dizer que não avisei” e “essa é sua última chance”... De que importa que a lei estabeleça que “constitui crime de tortura submeter alguém, sob sua guarda, seu poder ou sua autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental”? Mauro Cid ouviu de Moraes, que lhe cobrava uma “verdade encomendada”, com temas induzidos pelo ministro, sempre em busca de uma delação direcionada (outro vício insanável): “Já há o pedido da Polícia Federal, já há o parecer favorável da Procuradoria-Geral da República pela imediata decretação da prisão, do retorno à prisão do colaborador”.

"Viramos um país em que as leis, existentes e inexistentes, são propriedades particulares de um só ministro do Supremo"

De que importa que a lei determine que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”? Mauro Cid ouviu de Moraes: “Essa audiência é para possibilitar uma reflexão maior do colaborador, sob pena não só da decretação de prisão como também da cessação, da consequente rescisão da colaboração. E a eventual rescisão englobará, inclusive, a responsabilização do pai do investigado, de sua esposa e de sua filha maior”. E o que fez Mauro Cid? Mudou trechos de seu depoimento... Como se fosse possível, mesmo em condições tão absurdas quanto as descritas, esquecer o que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tinha afirmado antes: “Todas as minhas mensagens antigas são nesse sentido: o presidente não vai dar golpe”. E quem vai dizer que a delação foi voluntária, que é legal?

Somos, definitivamente, o país da hipocrisia ilimitada. No mesmo dia em que Alexandre de Moraes derrubou o sigilo da “delação” do Mauro Cid, que, apesar de tudo, está valendo, o ministro Dias Toffoli, também do Supremo Tribunal Federal, anulou todas as provas e todos os processos na Lava Jato contra Antonio Palocci. Foi decretada a “nulidade absoluta de todos os atos praticados” contra Palocci nas investigações e ações da operação, inclusive na fase pré-processual.

Segundo Toffoli, o ministro do Lula e da Dilma só delatou propinas de exatamente R$ 333,59 milhões pagas por empreiteiras, bancos e indústrias e distribuídas a políticos durante os governos dos petistas porque foi “prejudicado pelo método usado pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba”. O ex-advogado do PT, indicado por Lula ao STF, explicou o seguinte: “Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”... E, imediatamente, ouviram-se as gargalhadas de Alexandre de Moraes, de todos eles, do promotor, do investigador, da suposta vítima, do juiz e, claro, do torturador de leis e de pessoas.


Luís Ernesto Lacombe – Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney – Gazeta do Povo




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