Enganam-se redondamente todos aqueles que acreditam e apostam que a
denúncia, oferecida agora, pela Procuradoria-Geral da República, contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas a ele ligadas, direta ou
indiretamente, irá gerar benefícios políticos e outros ganhos eleitorais tanto
para as esquerdas, como para o atual governo e sua base de apoio no Congresso.
Para início de conversa, essa denúncia, há muito dada como certa,
elevará as polarizações, já por demais acentuadas, a um patamar imprevisível e
de possíveis consequências para todos, igualmente. A primeira lição desse caso
rumoroso não foi posta em prática. Qual seja, a postura de estadista exige
sempre uma posição intransigente de pacificação do país. Rompida essa posição,
resta esperar pelo pior. O primeiro e preocupante sinal foi dado dentro do
próprio Congresso, com os ânimos de deputados e senadores escalando para um
patamar de briga generalizada.
Na realidade não há clima para apaziguamentos. Coletadas todas as
imagens existentes nesse caso – lembrando aqui que muitas foram propositalmente
apagadas – e colocando-as em ordem racional, o que a mente, livre de
radicalismos, consegue entender é que todo esse caso, desde o início, está
muito mal explicado. Nesse ponto, caberá, aos futuros historiadores, separar o
que é narrativa criada e o que são os fatos verídicos e incontestáveis. Por
enquanto, o que se tem de certo é que a radicalização política, que permeia o
país de cima a baixo, seguramente não é uma boa conselheira.
Outro engano é pensar que essa denúncia irá aplainar os caminhos da
esquerda nas eleições de 2026. Para uma situação que vai se tornando explosiva
a cada momento, caberia, às instituições do Estado, buscar meios de evitar que
a crise anunciada ganhe ainda mais elementos perturbadores. Aqui e ali,
observam-se movimentos que tendem a somar mais ingredientes à fervura.
Nesta quarta-feira (19), o STF colocou a última pedra sobre processos
que pesavam sobre o ex-dirigente petista, Antonio Palocci, anulando todas as
provas contra ele, como já fizera com relação à Odebrecht. Com isso, a Operação
Lava Jato, que prometia uma virada do país rumo à civilização, está morta e
enterrada. Na mesma onda se observa que o governo Lula é reprovado por mais de
55% da população ouvida pelo Paraná Pesquisas. Na região Sul, a desaprovação do
atual governo alcança a marca de 67%. São números preocupantes. Também preocupante
é a escalada dos preços dos alimentos, ao qual o governo insiste em tirar o
corpo fora, pondo a culpa pela alta nos atacadistas.
Nesse mesmo cenário ocorre a indiciação de um ministro do Supremo nos
Estados Unidos. A imprensa internacional tem repercutido esse caso. Dentro
desse conjunto de confusões, a Transparência Internacional acaba de afirmar que
o combate à corrupção no Brasil não interessa mais às autoridades e a ninguém.
Isso quando nosso país apresenta um dos mais altos pontos no Índice de
Percepção da Corrupção desde 2012. “O Brasil não conseguiu interromper e
reverter a tendência de queda no combate à corrupção nos últimos anos, após o
fim das investigações da Lava Jato ao invés disso, a corrupção continuou a se
espalhar no Estado”, diz a TI.
Enquanto a situação vai se agravando, diversos juristas se unem para
dizer que o STF não possui condições de realizar um julgamento estritamente
técnico. Um desses juristas, advogado e professor de Direito Constitucional,
André Marsiglia, afirmou agora que a crescente polarização da Corte compromete
sua capacidade de análise imparcial em casos de alta relevância política, uma
vez que essa Corte vem se politizando de tal forma que são poucos os temas que
possa enfrentar. “Quando o STF somou, ali em 2019, 2+2 deu cinco, todas as
contas passaram a ser erradas a partir de então”, diz o professor, para quem as
ações dessa Corte vão ser sempre eivadas de vícios e de uma politização
inevitável.
Alguém precisa dizer isto em alto e bom som. Também o doutor em Direito
processual Penal e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Aury Lopes Jr considera errado que o caso Bolsonaro continue sob a
análise do Supremo. Para ele, esse julgamento deveria ocorrer na primeira
instância, já que Bolsonaro não ocupa mais o cargo público com foro especial no
STF. Além disso, diz o jurista, é errado que o caso continue sob a análise do
ministro Moraes, relator da investigação.
Para ele seria salutar para a credibilidade do STF que Moraes se
declarasse suspeito, devido a seu intenso envolvimento na fase investigatória e
também” por ter sido alvo do suposto plano desse grupo”. “Quando você é chamado
a tomar várias decisões sobre o caso – como durante a fase de inquérito – e
você tem que julgar esse caso, você está contaminado.” Diz. É toda uma sucessão
e encadeamento de acontecimentos que irão exigir enorme responsabilidade de
todos esses participantes para que o caldo não entorne de vez.