Na “república dos
ladrões de celular”, na “república dos corruptos”, na “república dos velhacos,
dos egoístas e oportunistas”, vamos gritar: “viva a nossa democracia!” Ela é
feita de reuniões secretas e de jantares devassados e devassos, encontros
obscenos mesmo. Os três poderes desarmônicos e dependentes uns dos outros bem
misturadinhos. Servem e ingerem veneno, ao sabor das negociatas... Comem-se.
São mastigados, claro, e engolidos os que se apequenam há tempos e continuam
encolhidos. Por que agem assim? É rabo preso ou solto? É ameaça, é chantagem? É
receio, é medo, é pavor?
“Viva a nossa
democracia”, que já não permite perguntas perigosas, dessas que podem abrir o
apetite da imaginação. Viva Rodrigo Pacheco! Ele mereceu até jantarzinho no
apartamento funcional de Alexandre de Moraes, por ter livrado o ministro do STF
por tanto tempo de um processo de impeachment. Fez-se a mistura, o vigia
que não vigiou e outros convivas, as coações distribuídas como petiscos...
Fez-se a gororoba mais indigesta para um país que agoniza, e jantou-se mais uma
vez o Brasil de verdade. Se houve sobras, o triturador barulhento as espera.
No dia seguinte,
muitos dos convidados do jantar se encontraram de novo no Congresso Nacional.
Refestelados na mentira, foram comemorar os 40 anos da tal “redemocratização”
do Brasil. Alguns, como José Dirceu, podem ter enchido a boca para dizer que,
na época do regime militar, lutavam por democracia... Não, de maneira alguma.
Com o tempero da ironia, afirmo: a ditadura do proletariado nunca esteve no
cardápio dessa turma. Liberdade, era isso que todos queriam, e querem até
hoje...
“No apartamento
funcional de Alexandre de Moraes, jantou-se mais uma vez o Brasil de verdade.
Se houve sobras, o triturador barulhento as espera”
José Sarney também
foi ao Congresso. Primeiro civil a assumir a Presidência depois do regime
militar, só por isso ele merece todas as homenagens, talvez banquetes diários.
E que ninguém venha azedar essa admiração pelo vice que virou presidente e fez
o Brasil desandar, numa indigestão de planos econômicos desastrosos: Plano
Cruzado, “safra” 1986; Plano Bresser, de 1987; e Plano Verão, de 1989. Foi um
período repugnante esse com Sarney na Presidência.
O veterano político
do Maranhão completará em breve 95 anos e deve se orgulhar de ver herdeiros
seus por toda a parte. Talvez o mais novo presidente que a Câmara dos Deputados
já teve, Hugo Motta, de apenas 35 anos, seja um deles. Sua especialidade era o
molho de vaselina, fez as mesmas promessas a grupos diferentes em sua campanha
para substituir Arthur Lira e não poderia entregar a todos o mesmo “prato”.
Tentou agradar a todo mundo, para não perder clientes, e se perdeu de vez num
rodízio interminável de mentiras.
Na festa com Sarney e
Dirceu, seu discurso foi azedo, estragado, podre... Só entregando-se também,
como o próprio Motta fez, à mais mirabolante negação da realidade, seria
possível escapar das náuseas, do mal-estar, do estado febril: “Nos últimos 40
anos, não vivemos mais as mazelas do período em que o Brasil não era
democrático, não tivemos jornais censurados, nem vozes caladas à força. Não
tivemos perseguições políticas, nem presos ou exilados políticos, não tivemos
crimes de opinião ou usurpação de garantias constitucionais. Não mais. Nunca
mais”.
Pensei em listar
apenas os exemplos dos últimos seis anos disso tudo que ele nega. Desisti.
Certamente, faltaria espaço na memória do computador, faltaria papel para
imprimir o relato real sobre a infinidade de abusos, arbítrios e ilegalidades
praticados pelo Supremo, e, pior, em nome da “defesa da democracia”... Assim
aconteceu com Hugo Motta: ele foi “alimentado” num dia por Alexandre de Moraes
com tudo o que vomitou no dia seguinte no Congresso. E ninguém pode achar que
não respingou no país inteiro. Todos, sem exceção, foram atingidos, mesmo
que alguns ainda demorem um pouco a perceber.