Quase. Temos o segundo Congresso mais
corrupto do mundo. Recentemente, o Ranking dos Políticos publicou a lista do
WJP (World Justice Report) com os países com o Legislativo mais corrupto, e
adivinhe? O Brasil ficou em segundo lugar, atrás apenas do Haiti, nessa
categoria vergonhosa. A avaliação faz parte de uma pesquisa mais ampla e
detalhada, com critérios complexos, sobre os países que mais atentam contra o
estado de direito.
São vários os itens avaliados para
medir o que significa estado de direito. Estão incluídos critérios como limites
do Poder Executivo, presença de corrupção, nível de transparência, respeito aos
direitos fundamentais, manutenção da ordem e da segurança pública, eficiência
da justiça penal e criminal, dentre outros.
Esse projeto detalhado existe há mais
de sete anos e temos divulgado todos os seus rankings, pois consideramos o
processo idôneo e seguro para saber qual lugar o Brasil ocupa no mapa político
mundial.
O que me chamou a atenção nesse ranking
foi o critério que surge como um dos sub atributos: o nível de corrupção no
Congresso Nacional, o exercício legislativo para enriquecimento pessoal dos
parlamentares. Nesse quesito, estamos em uma das piores posições diante de mais
de 190 países.
Nos demais oito critérios, as médias
são sofríveis, equiparáveis a países atrasados e distantes de qualquer país
desenvolvido. Essa média baixa significa o que já sabemos: não temos um estado
de direito e continuamos caminhando para longe do caminho de tê-lo.
Receita para a decadência? Fácil:
Rachadinhas com assessores, rachadonas com emendas parlamentares, clientelismo,
desapego da população, apego ao orçamento do Poder Executivo e, é claro, zero
de transparência e supervisão.
Tempestade perfeita: imagine o seguinte
cenário: um dos Legislativos mais corruptos, alinhado a um Executivo
notoriamente corrupto, mas agora com mais liberdade para nomear apadrinhados e
aparelhar a máquina pública; trouxe de volta ao governo pessoas condenadas por
corrupção.
Acrescente a isso um Judiciário
considerado um dos menos imparciais do mundo - esta avaliação também está no
relatório. Está pronta a fórmula perfeita para aniquilar o estado de direito e
piorar os índices do Brasil em todas as categorias. Rumo ao Estado fracassado.
Você pode estar se perguntando: nossa
missão é melhorar índices? Claro que não, mas a questão é trabalhar para ter um
estado que represente a nossa aspiração como civilização; os índices só apontam
o que não temos.
O estado de direito é fundamental, em primeiro
lugar, para sermos um povo livre; segundo, ter prosperidade e garantias
fundamentais; terceiro, exercer influência e não sofrer influência. Ao inverter
essa polaridade, passamos a ser influenciadores, e não influenciados. Isso
significa exercer hegemonia.
Então, o estado de direito é a base
para que esses três pilares sejam a base da civilização: A liberdade, a
prosperidade e a influência, essenciais para nos tornarmos um país de primeiro
mundo.
Países como Dinamarca e Noruega são
territorialmente pequenos, mas relevantes em termos de influência, isso para
não falar em países maiores, que têm um estado de direito bem constituído, tais
como França, Alemanha e Estados Unidos. Em que pese estarmos vendo a decadência
do estado de direito nesses países, eles ainda têm atributos muito superiores
aos do Brasil.
Instituições centenárias rumo ao
lixo: O Brasil tem instituições que precedem a existência de vários países
como Alemanha, Itália, Índia, Coreia do Sul, Israel, Polônia e Hungria, entre
vários outros. Mas toda essa tradição não serve de nada perante a
decadência institucional generalizada na qual nos encontramos.
“Estamos em retrocesso institucional
absoluto, no sentido contrário de vários países que sequer existiam quando
nossas instituições foram criadas”
Recentemente vimos o ministro Alexandre
de Moraes tomar a medida absurda de soltar um narcotraficante procurado pela
justiça espanhola, em retaliação à Espanha, por não extraditar o jornalista
Oswaldo Eustáquio, procurado indevidamente pelo judiciário brasileiro, de
maneira absolutamente arbitrária, fora da lei.
Fica claro que a justiça espanhola é
muito superior à brasileira, pois lá, embora vigore um governo socialista, com
a mesma ideologia e vontade de aparelhamento de instituições, existe separação
de poderes e defesa do que é constitucional. Enquanto no Brasil existe a
violação da constituição e dos direitos fundamentais nela contidos.
Por que esse relatório é
importante? Relatórios como o do Ranking dos Políticos apontam para um problema
grave de Estado no Brasil. O princípio do Rule of Law é a pré-condição de base
para os demais direitos individuais. O termo em língua inglesa tem o sentido de
igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos a fim de defenderem os
seus direitos.
Ao mesmo tempo, o tema da defesa da
constituição não ganha popularidade, uma vez que a opinião pública está mais
preocupada com eleições ou projetos pontuais, e não necessariamente com o
resgate da integridade das instituições de Estado.
Entretanto, parece que a situação
apresenta algumas mudanças, pois já temos algumas mobilizações e massa crítica
crescente, especificamente dentro do governo e dos poderes Legislativo e
Judiciário, convergindo para o pensamento de que precisamos de fato rever o
nosso estado de direito.
Trata-se de um crescimento de percepção
dentro da parcela honesta do estamento burocrático, mas que ainda não está
popularizado. Isso é um perigo, pois se a sociedade ainda acredita nas eleições
como uma saída, seria bom que os futuros candidatos colocassem as reformas de
Estado em seus planos de governo. Tenho reiterado que sem visão não há
projetos, e sem projetos não há ação possível.
Portanto, é fundamental ter a visão
clara do que queremos como Estado. O estado de direito é algo a ser almejado e
sem ele não conseguiremos ter uma ação efetiva para desarticular os problemas,
porque a maioria deles deriva do Estado, e não das políticas públicas dos
governantes.
As políticas públicas são erradas? Sim,
mas podem ser facilmente corrigidas. O problema são os erros sistêmicos do
Estado, como a tirania e a corrupção endêmica, e estes dependem de uma visão
mais abrangente, não só daqueles que ocupam o Estado, mas também da opinião
pública, que valide as mudanças necessárias.
Estado de direito? Agora você deve
estar se perguntando: por que o estado de direito é tão fundamental? Algumas
pessoas estão desvirtuando o tema e desinformando o povo, levando a conclusões
erradas que podem nos conduzir a um ciclo de ditadura.
As ditaduras nunca duram, sempre se deterioram
e levam o país e a sociedade com elas. Esse é o tipo de ciclo que temos de
evitar. Ao cair em um ciclo ditatorial, gerações de brasileiros e de todo o
país são condenados à falência em algum momento.
A ditadura é insustentável e o
resultado da sua falência é a completa destruição do que foi criado no início.
A ditadura é a parte final de todo o modelo virtuoso.
Onde está o fiel da balança? O
estado de direito não é bom para o Executivo, nem para o Legislativo, nem para
o Judiciário. É o denominador mínimo comum que equilibra todas essas
forças.
Países desenvolvidos também têm
problemas de pêndulo político - às vezes vai para a direita, depois para a
esquerda, mesmo radicalmente -, no entanto, o sistema é preservado, pois o
estado de direito aceita a competição por poder de forma transparente, mas não
atende a nenhum dos poderes acima dos demais: isso é o que limita a tirania e a
corrupção. Os interesses conflitantes dos poderes fazem preservar o sistema,
pois é a melhor alternativa diante da possibilidade de ter um dos poderes
governando sobre os demais.
O resultado da competição institucional
pelo poder sem chance de obtê-lo é o estado de direito. Quem se beneficia dessa
competição é o eleitor, com um sistema limitado, livre de arbítrio pessoal e
repleto de salvaguardas para o cidadão poder interferir.
O inverso desse processo é falir o
sistema para uma ditadura em que os poderes não competem e, por consequência,
não se limitam. É adentrar num processo ditatorial que significa o fim de uma
civilização.
Fechar o Congresso? Comentários do
tipo: “O Congresso é corrupto - vamos fechá-lo!” são fruto de frustração gerada
por falta de conhecimento. Na verdade, o Congresso já está efetivamente fechado
pela corrupção.
O desafio é criar um Congresso de
verdade, pois só o Congresso tem força para limitar a ditadura do Judiciário e
do Executivo. Mas um Congresso corrupto de nada serve para essa missão.