Diferença fundamental entre o fanatismo político e a ciência é que,
enquanto um se baseia na autoridade, a outra se baseia na observação e razão. O
objetivo final da ciência é a verdade. O da política, é o poder. Passados anos
da pandemia, vale observar as consequências desse debate que vão muito além das
discussões entre paralisação e quarentena. No campo político, as oposições se
manifestaram com união e sintonia para desacreditar todas as teses que tentavam
segurar a crise. Pessoas foram presas porque nadavam na praia, restaurantes não
recebiam clientes enquanto preparavam a comida para entrega em domicílio,
desemprego, economia estagnada. Crianças respirando o ar abafado por máscaras
durante horas, idosos sofriam com a solidão onde abraços plastificados,
inventados por famílias criativas, amenizavam essa dor. O mundo entrava em
agonia.
Diante desse cenário, um lado da sociedade apostava em provocar e
disseminar a desesperança, medo, pavor, insegurança entre a população
vulnerável. Obviamente que esse não era o caminho. A pandemia serviu de pano de
fundo para uma disputa política que já vinha se arrastando há muito tempo e
que, com essa crise, ganhou novos ingredientes. Criou-se assim uma situação
esdrúxula em que a própria doença e o futuro da economia parecem ter ficado em
segundo plano.
O mais preocupante é ver que, enquanto a população era distraída com uma
com uma disputa que só interessava, de fato, aos políticos, principalmente
aqueles cujo horizonte se estende apenas até às próximas eleições, os
brasileiros, como fonte de onde todo o poder emana e em cujo nome é exercido,
fica deixado de lado, numa peleja onde ele é o mais atingido.
Cria-se assim uma excentricidade em que o Estado relega, a outros
planos, a sua função precípua de proteger o cidadão e se concentra numa disputa
envolvendo apenas seus entes políticos e seus interesses imediatos e de curto
prazo.
Para um país continental como o nosso, o tamanho do problema exigia
coordenação de esforços e não disputas paroquiais. Deixando de lado razões
políticas e razões científicas, até pela dimensão do problema, o caminho do
meio entre a experiência sensorial dos políticos e a afirmação da razão como
base da ciência médica, era preciso. A colaboração da própria imprensa e de
toda a população, sem a qual, não poderia haver, nem expressão numérica para
contornar uma crise desse tamanho, foi destaque.
Dessa forma, a responsabilidade de cada um e de todos conjuntamente pode
fazer a diferença. Essa união de esforços parece ser a fórmula universal e que,
em outras épocas, rendia frutos positivos. Cada cidadão se empenhaou pelo bem
da coletividade. Muitos têm dito que é nas crises profundas que a civilidade,
sobretudo a empatia social, adquirem mais potência para o aprimoramento da
sociedade.
Nessas horas, como não seria diferente, muitos passaram a torcer para
que os bancos, o sistema financeiro e todos aqueles que sempre lucraram com o
capitalismo selvagem, que fez de nosso país uma das sociedades mais desiguais
do planeta, adiantassem-se e oferecessem, voluntariamente, suas contribuições
para minorar os efeitos da crise. Utopia ou não, nesse rol de favorecidos e
sempre superavitários, de quem se espera ajuda, incluem-se ainda as igrejas e
outras instituições que sempre lucraram com isenções de impostos e o pouco
controle pelos órgãos do Estado e que vem fazendo a fortuna de uma minoria por
décadas.
As iniciativas que chegaram ao conhecimento do público vieram, em sua
maioria, por livre vontade. Médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem foram
os grandes heróis da pandemia. Arriscaram a própria vida para salvar muitas
pessoas. Pequenos e médios empresários correram para transformar suas empresas
em organizações voltadas para a produção de bens e insumos de primeira
necessidade para a área de saúde. Pequenos ateliês de costura passaram a
fabricar máscaras caseiras. Outros micro empresários passaram a produzir
máscaras de acetato e outros itens, assim como pequenos comerciantes que doaram
parte de seus estoques para hospitais. Restaurantes doavam comida para os
moradores de rua abandonados à própria sorte.
Paradoxalmente, o isolamento social contribuiu de uma forma ou de outra
para que a sociedade conhecesse melhor quem são nossos políticos, banqueiros,
donos de laboratórios, cientistas. Também pode ser visto a olho nu a gestão da
O.N.U e da O.M.S.
A modalidade de trabalho home office, que antes era mal vista por
algumas empresas e por grande parte dos governos, não apenas ganhou um novo
impulso, como tem contribuído para frear os gráficos de contaminação,
desafogando o trânsito, diminuído a poluição e os gastos com deslocamento e com
consumo de outros bens e serviços, indicando a força dessa nova forma de
trabalho.
Iniciativas de todas as partes surgiram a cada dia, demonstrando o
potencial adormecido da população em poder servir, inclusive, mostrando a
capacidade de crescer com a crise. As ações espontâneas vão desde doações de
bens e outros serviços, como outras que propõem a formulação de listas para o
conhecimento público, com a relação daquelas empresas que contribuíram, de
fato, com recursos para combater os efeitos da crise de saúde.
Dessa forma, o papel social desempenhado tanto por pessoas físicas, como
por pessoas jurídicas foi destacado e, por certo, a população há de lembrar
quem esteve ao seu lado nesse momento de agonia.