Cercado de apoiadores e de aliados da
direita, Jair Bolsonaro usou o seu discurso no ato pró-anistia aos presos do 8
de janeiro de 2023, neste domingo (6), em São Paulo, para subir o tom e
criticar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Esta foi a primeira manifestação desde que o ex-presidente e outros aliados se
tornaram réus no processo sobre o suposto golpe de Estado.
Bolsonaro deu a entender que sua
derrota na disputa presidencial para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), em 2022, foi um "conluio" do STF e do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), presidido à época por Moraes. "Me acusam de golpe de
Estado. Segundo a Polícia Federal, do Moraes, eu comecei a dar um golpe de
Estado numa live. E quem deu golpe em outubro de 2022? Quem tirou Lula da
cadeia? Um cara condenado em três instâncias por corrupção, lavagem de
dinheiro, é tirado da cadeia. Quem descondenou o Lula pra ele deixar de ser
ficha suja?”, disse Bolsonaro, em alusão ao Supremo.
Até então condenado em processos da
Lava Jato, Lula recuperou os direitos políticos em 2021, após o plenário do STF
anular todas as suas condenações e declarar a incompetência da Justiça Federal
em Curitiba nos processos contra o petista. "Um golpe foi dado, tanto é que
o candidato deles (dos ministros do Supremo) está lá. Alguns deles falaram que
interferiram sim, mas que foi para o bem da democracia", completou
Bolsonaro.
Ainda durante o seu discurso, o agora
ex-presidente disse que "o golpe foi dado em 2022, tanto é que o candidato
deles está lá. Alguns deles [ministros do STF] falaram que interferiram sim,
mas foi para o bem da democracia". "Se o Alexandre de Moraes salvou a
democracia no Brasil, se ele evitou que uma ditadura fosse instalada aqui, por
que ele viaja de avião da FAB, para assistir Palmeiras e Corinthians em
São Paulo? Ele tinha que viajar, como eu faço, de avião de carreira, para ser
aplaudido", disparou Bolsonaro.
Nesta semana, o jornal Folha de S.
Paulo publicou matéria afirmando que Moraes utilizou uma aeronave da Força
Aérea Brasileira (FAB) para viajar de Brasília a São Paulo em 26 de março. O
deslocamento ocorreu um dia antes de o magistrado assistir à final do
Campeonato Paulista, em que o Corinthians conquistou o título contra o
Palmeiras.
"O golpe deles só não foi perfeito
porque no dia 30 de dezembro de [2022], eu saí do Brasil. Algo me avisou que
alguma coisa ia acontecer. Se eu estivesse no Brasil, seria preso na noite de 8
de janeiro e estaria apodrecendo na cadeia até hoje, ou quem sabe assassinado
por esses mesmos que botaram esse vagabundo na Presidência", disse
Bolsonaro aos seus apoiadores na Paulista.
Bolsonaro muda estratégia em relação ao
STF e defende anistia no Congresso: O tom adotado pelo ex-presidente em
relação ao STF neste domingo (6) na Avenida Paulista, marca um endurecimento em
relação aos discursos feitos em manifestações anteriores, quando ele ainda não
era réu pelo alegado golpe de Estado.
No último dia 16 de março, em
Copacabana, no Rio, o ex-presidente focou mais seu discurso em demonstrar
abusos do STF em sentenças contra os manifestantes de 8/1 e em evidenciar
argumentos para desmontar a tese de golpe de Estado. Ele não fez ataques
diretos ao STF.
A manifestação deste domingo (6) teve
um tom mais parecido com a de 7 de setembro de 2024, na Avenida Paulista,
quando a pauta era o impeachment de Moraes. Bolsonaro chamou Moraes de ditador
na ocasião. Mas a estratégia era ressaltar a suspensão da rede social X e
mostrar como o Senado tem poderes para derrubar o magistrado. Um pedido de
impeachment foi apresentado, mas não andou no Congresso.
Em abril 2024, em Copacabana, quando
Bolsonaro ainda era apenas investigado no caso sobre a suposta trama golpista,
o tom foi mais brando. O ex-presidente não citou publicamente os ministros da
Corte e apenas criticou as investigações por parte da Polícia Federal.
Na ocasião, o
ex-presidente minimizou a chamada "minuta do golpe", documento
supostamente encontrado pelos investigadores da PF. A investigação acusou
Bolsonaro de ter conhecimento e também editar o texto, que poderia ser usado
para justificar uma ruptura sem motivos legais.
Em 25 de fevereiro de 2024, também na
Avenida Paulista, Bolsonaro reuniu uma das maiores multidões de apoiadores até
agora. Na ocasião, a direita conseguiu mostrar grande união após Bolsonaro
virar alvo de investigações da Polícia Federal. Mas o tom era de moderação e os
manifestantes foram até orientados a não levar cartazes contra o STF.
Desta vez, além das críticas ao STF, o
ex-presidente usou o ato para defender a aprovação da anistia aos presos do 8
de janeiro de 2023. Bolsonaro disse que a aprovação da anistia é uma
prerrogativa privativa do Congresso e não fez críticas a parlamentares. Coube
ao pastor Silas Malafaia atacar o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB) que, segundo ele, pediu para que os líderes de partido não
assinarem o projeto de anistia. “Você, Hugo Motta, está envergonhando o honrado
povo da Paraíba”, disse o líder religioso.
O projeto de lei da anistia está em
tramitação na Câmara dos Deputados e atualmente é a principal proposta
encampada pela oposição no Congresso Nacional. "A grande maioria do povo
brasileiro entende as injustiças e agora se socorre na nossa Câmara Federal e
no Senado Federal para fazer justiça. E a anistia é competência privativa do
Congresso Nacional. Caso eles votem, o projeto seja sancionado, promulgado, ou
no caso de um veto, vale a anistia", defendeu o ex-presidente.
A manifestação convocada por Bolsonaro
e por seus apoiadores para São Paulo tinha como principal foco tentar ampliar o
apoio por parte dos deputados e senadores ao projeto da anistia. A nova norma,
se promulgada e aplicada, poderia livrar os presos nas manifestações do 8 de
janeiro de 2023, Bolsonaro e seus aliados das acusações de tentativa de golpe
de Estado, de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa,
dano ao patrimônio da União e deterioração de bens públicos tombados.
O perdão ao ex-presidente, no entanto,
ainda dependeria de o Supremo não considerar a lei inconstitucional. "Eu
acredito no meu Brasil. Nós acreditamos no Brasil. Não vamos desistir. Jogar
toalha, pendurar chuteira não existe em nosso meio. A luta, repito, é pela
liberdade dessas pobres pessoas que estão condenadas a penas de até 17 anos de
cadeia", completou Bolsonaro.
Batom vira símbolo do ato pró-anistia
na Avenida Paulista: Ainda tratando sobre os presos do 8 de 2023, o
ex-presidente Jair Bolsonaro lembrou do caso da cabeleireira Débora Rodrigues
dos Santos, que ficou presa dois anos por ter pichado, com batom, a estátua da
Justiça na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ela foi transferida para prisão
domiciliar no final de abril, após decisão do ministro Alexandre de
Moraes.
O processo de Débora começou a ser
julgado em 21 de abril e Moraes votou para condená-la a 14 anos de prisão,
sendo 12 anos e meio em regime fechado, além da multa de R$ 30 milhões a ser
paga por todos os condenados do 8/1. O julgamento foi suspenso após o pedido de
vista por parte do ministro Luiz Fux e deve ser retomado em até 90 dias.
"Você, mãe, imagine por dois anos
dormir e acordar sem o calor dos seus filhos ao seu lado. Débora foi para a
[prisão] domiciliar, mas já tem dois votos no Supremo, Alexandre Moraes e
Flávio Dino, para condená-la a 14 anos de prisão. Eu não tenho adjetivo para
qualificar quem condena uma mãe, mãe de dois filhos, a uma pena tão absurda por
um crime que ela não cometeu", discursou Bolsonaro ao lado da mãe e da
irmã de Débora Santos.
O batom foi um dos símbolos do ato, e
muitos manifestantes compareceram exibindo o objeto. Também foi posicionado um
"batom inflável" de seis metros de altura, ao lado das grades que
separavam o público das autoridades.
“O batom representa a Débora. Uma
mulher comum, cabeleireira, que se torna o símbolo da luta pela Justiça no
nosso Brasil”, discursou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Além do ex-presidente e de Michelle
Bolsonaro, outros políticos presentes lembraram o caso da cabeleireira para
defender a aprovação da anistia. "Nesse momento a gente tem 162
assinaturas para acelerar o projeto da anistia. Ninguém vai nos parar até que a
anistia seja aprovada", disse o líder do PL na Câmara, o deputado Sóstenes
Cavalcante.
O deputado afirmou ainda que nesta
segunda-feira (7) vai publicar o nome e a foto de cada deputado que está
apoiando o projeto. A bancada do PL busca reunir ao menos 257 entre os
parlamentares para pressionar o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), a pautar a proposta no plenário.
Presente na manifestação, o governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), puxou o coro "anistia
já". Assim como Sóstenes, o governador também evitou criticar publicamente
o presidente da Câmara.
Bolsonaro reforça aliança com
governadores em ato de São Paulo: Além de deputados e senadores da
direita, Bolsonaro esteve acompanhado neste domingo de ao menos oito
governadores: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo),
de Minas Gerais; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná; Jorginho Mello (PL), de Santa
Catarina; Wilson Lima (União), do Amazonas; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; e
Mauro Mendes (União), de Mato Grosso. Todos se encontraram com o ex-presidente
antes do ato na Paulista.
O governador Cláudio Castro (PL), do
Rio de Janeiro, cancelou presença devido às chuvas no seu estado. O ato é a
primeira ação da oposição nas ruas desde que o ex-presidente foi declarado réu
na ação do STF por envolvimento na suposta tentativa de golpe de Estado.
Desde a decisão da Primeira Turma da
Corte, em 27 de fevereiro, Bolsonaro buscou fortalecer sua base de aliados. Na
manifestação, os milhares de apoiadores de Bolsonaro, muitos vestidos de verde
e amarelo, entoaram coros de “não houve golpe”.
"Se o voto é a alma da democracia,
a contagem pública do mesmo se faz necessária. Meus irmãos de todo o Brasil,
apesar do momento difícil, a gente consegue recarregar as baterias, se preparar
para novas batalhas, mas com a certeza de que a vitória virá",
encerrou Bolsonaro o ato na Paulista.