O governo Lula anunciou que terá um
projeto próprio de inteligência artificial (IA). A ideia, segundo o próprio
presidente, é “produzir algo que seja do interesse da maioria do povo brasileiro”.
Em discurso oficial, Lula disse: “A nossa inteligência artificial tem que ser
uma fonte de empregos e de talentos. Temos de evitar que ela seja mais um
instrumento de concentração de riqueza”. Como tudo o que o PT faz, no discurso
está ótimo, resta ver a prática.
No papel, o Plano Brasileiro de
Inteligência Artificial (PBIA) do governo aposta em um modelo nacional, com
investimento previsto de R$ 23 bilhões até 2028. Você não leu errado, são 23
BILHÕES. O projeto de IA do governo envolve áreas como educação, saúde, meio
ambiente e segurança pública, e visa usar IA como ferramenta de inclusão
social, redução de desigualdades e “fortalecimento da democracia”.
“O governo quer uma inteligência
artificial treinada para refletir ideologias. Começa mal. A IA do governo Lula
nasce com a premissa de 'corrigir' os fatos conforme convém à narrativa”
Na última semana vimos os rumos que o
projeto anunciado ano passado está tomando. A ministra da Ciência, Tecnologia e
Inovação, Luciana Santos, exaltou o exemplo chinês do DeepSeek como modelo de
baixo custo e alta eficiência, e garantiu que o Brasil “pode competir”. O
problema está justamente em como o governo pretende competir.
A ministra já deixou claro que o
presidente Lula quer uma IA com “linguagem própria”. Disse que, para evitar
“vieses” e respeitar “a cultura brasileira”, seria necessário ensinar à IA que
“quem inventou o avião foi Santos Dumont, não os irmãos Wright”. A frase,
apesar de folclórica, revela o ponto de partida enviesado da proposta.
Mais do que uma defesa do pioneirismo
nacional, a declaração acende um alerta: o governo quer uma inteligência
artificial treinada para refletir ideologias. Começa mal. A inteligência
artificial do governo Lula nasce com a premissa de “corrigir” os fatos conforme
convém à narrativa. A preocupação é legítima. A inteligência artificial depende
do que é ensinado a ela. Dados importam. As decisões sobre o que entra ou não
no treinamento determinam o comportamento dos modelos. Ao declarar que quer um
modelo com “viés brasileiro”, o governo parece mais interessado em usar IA como
instrumento de propaganda do que de ciência.
É o mesmo erro que se cometeu em tantas
frentes da cultura: usar a tecnologia para doutrinar, em vez de inovar. Na
prática, corre-se o risco de criar um robô que, ao invés de ser inteligente,
será apenas um papagaio de chavões lacradores. Além disso, essa abordagem
intervencionista vem acompanhada do já conhecido discurso petista sobre
“regular as plataformas”. O receio é que a inteligência artificial do governo
acabe sendo mais uma trincheira do ativismo estatal, voltada a premiar
conteúdos ideológicos e punir vozes dissonantes.
Num país em que se discute “regulação
das redes” com tanto entusiasmo e tão pouca clareza, a inteligência artificial
do governo vira ferramenta perigosa. Sob o pretexto de combater desinformação,
pode-se promover desinformação estatal. Ao tentar blindar a tecnologia contra
“vieses”, o governo introduz o viés mais perverso de todos: o
político-ideológico.
Se o projeto de inteligência artificial
do governo Lula for realmente para gerar empregos, resolver gargalos e melhorar
o serviço público, será bem-vindo apesar de caríssimo. Vai ter de gerar emprego
a rodo para compensar o gasto. Mas, se for para repetir em linguagem de máquina
a mesma ladainha populista que tenta reescrever a história e silenciar
críticas, vamos de mal a pior.
Inteligência artificial não é mágica nem neutra. E talvez o maior risco dela no Brasil seja justamente servir a um governo que já confundiu tantas vezes o interesse público com o seu próprio interesse de poder.